Em julgamento virtual encerrado na última terça-feira (24/6), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam que a discussão sobre a juridicidade dos atos do Ministério da Educação (MEC) sobre os requisitos e a oferta de financiamento estudantil pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) é matéria infraconstitucional e não deve ser analisada sob a sistemática da repercussão geral. Os ministros acompanharam o entendimento do relator do RE 1543686, ministro Luís Roberto Barroso, que considerou não haver questão constitucional a ser analisada no caso.
Segundo o ministro, a jurisprudência do STF afirma a natureza infraconstitucional de controvérsia sobre a conformidade dos atos do MEC à Lei 10.260/2001, assim como a natureza meramente reflexa das alegações de ofensa à Constituição. Para Barroso, a ofensa à Constituição, se existisse, seria indireta ou reflexa, o que também inviabiliza o processamento do recurso extraordinário.
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No entanto, Barroso entendeu que, em razão da repetitividade de processos sobre o tema, o processo deveria ser afetado ao plenário virtual, de modo a se atribuir os efeitos da declaração de ausência de repercussão geral à afirmação da natureza infraconstitucional da controvérsia. Além disso, o ministro enfatizou que, conforme dados do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), a discussão sobre a juridicidade dos atos do MEC sobre financiamento estudantil envolvem mais de 5,7 mil ações na segunda instância do tribunal federal.
O debate ocorre em um recurso de uma estudante que buscava cursar Medicina contra acórdão da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que negou o pedido de financiamento do curso pelo Fies. No recurso, ela sustenta que o programa prevê uma série de requisitos que não estão na lei, e sim em portarias administrativas “esparramadas ao longo dos anos”, que cada vez mais restringem o acesso de alunos ao programa de financiamento.
Como exemplo, menciona a Portaria 38/2021, do MEC, que dispõe sobre o processo seletivo do Fies, e aponta a “clara violação ao princípio da isonomia” por parte do ato. Além disso, a estudante afirma que se enquadra nos requisitos para a concessão do financiamento. Ao STF, disse que as normas do MEC que disciplinam os requisitos e a oferta de financiamento pelo Fies contrariam a lei que institui o fundo estudantil, assim como o direito constitucional à educação e o princípio da dignidade humana.
O relator do caso no TRF5, desembargador Sebastião José Vasques de Moraes, entendeu que a portaria questionada não “desborda do poder regulamentador”, legalmente autorizado, de forma que não deveria ser acolhida a tese de que a norma estaria em desacordo com a lei do Fies.
“A celebração do contrato do Fies somente pode ocorrer se o estudante houver obtido, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), na pontuação utilizada para admissão no financiamento, nota igual ou superior àquela obtida pelo último estudante selecionado para as vagas do Fies na instituição de ensino superior que deseja cursar, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia em relação aos interessados que concorreram para as vagas destinadas ao Fies e não obtiveram nota de aprovação nas vagas destinadas para o curso de Medicina”, ilustrou Moraes.
Desse modo, afirmou que não há ilegalidade flagrante nos atos do MEC, de modo que “não cabe ao Poder Judiciário imiscuir-se no âmbito da discricionariedade da Administração Pública, de modo a afastar os critérios legitimamente definidos”.
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Em março deste ano, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou em plenário virtual o REsp 2.178.098/RJ, que questionava a mesma portaria do caso analisado pelo STF. Contudo, o relator do recurso, ministro Teodoro Silva Santos, concluiu que também não cabia à Corte se debruçar sobre a discussão, pois resoluções, portarias e instruções normativas não se enquadram no conceito de lei federal constante a Constituição. Ele foi acompanhado pelos ministros Francisco Falcão, Maria Thereza de Assis Moura, Marco Aurélio Bellizze e Afrânio Vilela.
TRF1 fixou teses para uniformizar o entendimento sobre questões envolvendo o Fies
Para uniformizar o entendimento sobre questões jurídicas envolvendo o programa, o TRF1, em dezembro de 2024, definiu teses no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) 72, de relatoria da desembargadora federal Kátia Balbino. Entre os pontos abordados estão a legitimidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para responder a processos e as novas regras estabelecidas pelo MEC para a seleção de estudantes e a transferência entre cursos, por exemplo.
Na 2ª instância, a estimativa do tribunal é de que mais de 5,7 mil ações sobre o Fies sejam impactadas pelo IRDR 72. Em relação à responsabilidade do FNDE, o documento do TRF1 esclarece a responsabilidade da instituição para responder judicialmente por questões relativas a contratos de financiamento.
Nos contratos firmados até o segundo semestre de 2017, houve o entendimento de que o FNDE atua como agente operador em todas as fases. Para contratos fechados a partir do primeiro semestre de 2018, a legitimidade do Fundo é restrita às etapas realizadas no Sistema Informatizado do Fies (SisFies) até o encaminhamento ao agente financeiro.
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Já com relação às restrições impostas pelas Portarias 38/2021 e 535/2020, ambas do MEC, que regulam a seleção de estudantes e a transferência de cursos no âmbito do Fies, o IRDR 72 reafirma como válidas e em conformidade com o direito à educação.
Além disso, o IRDR propõe soluções específicas para estudantes beneficiados por decisões judiciais. Para aqueles que já se graduaram no segundo semestre de 2024 com base em decisões judiciais contrárias à diretriz fixada, asseguram-se as condições administrativas do financiamento, incluindo sua quitação. Para os demais estudantes nessa situação, limita-se o benefício à quitação de mensalidades vencidas até o segundo semestre de 2024, proibindo-se a continuidade do financiamento para períodos posteriores.
As teses foram fixadas no processo de número 1032743-75.2023.4.01.0000.