O título deste texto é uma das conclusões do recém-publicado estudo “Elite Quality Report 2025: The Sustainable Value Creation of Nations” (Relatório EQx2025), uma publicação anual, fruto de um esforço colaborativo de pesquisa. Editado por Tomas Casas i Klett e Guido Cozzi, este relatório, distribuído pela fundação suíça Value Creation, traz uma nova visão sobre a trajetória e os desafios do desenvolvimento nacional. O seu principal objetivo é medir as perspectivas de desenvolvimento econômico e humano de longo prazo das nações.
Esta é a sexta edição de uma série que busca fomentar discussões entre acadêmicos e partes interessadas, posicionando-se na interseção entre academia, negócios e formulação de políticas em uma era de disrupção econômica, social e sobretudo, tecnológica.
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A base conceitual do ranking é a “qualidade da elite”, compreendida como a “sustentabilidade em nível macroeconômico”. Elites são definidas como grupos coordenados que operam os modelos de negócios mais geradores de renda em uma economia e que, consequentemente, acumulam riqueza. Sistemas de elite de alta qualidade são considerados sustentáveis, pois seus modelos de negócios líderes focam na “criação de valor”, entregando mais valor para a sociedade do que apropriam.
Em contrapartida, elites de baixa qualidade aumentam o risco político e econômico ao operar modelos de “extração de valor”, que se baseiam em transferências de valor, muitas vezes por meio da busca por rendas extrativistas e não produtivas.
O indicador abrange 151 países e utiliza um total de 149 indicadores, que são organizados em uma arquitetura hierárquica de quatro níveis. No nível mais alto, encontra-se o próprio índice Elite Quality (EQx). Abaixo dele, no nível dois, estão dois sub-índices – poder e valor – e quatro áreas de índice de economia política, que incluem poder político, poder econômico, valor político e valor econômico. O nível três é composto por doze pilares, e, finalmente, o nível quatro contém os 149 Indicadores individuais.
A metodologia para construir o ranking envolve nove etapas distintas. Essas etapas incluem a coleta e preparação de dados de diversas organizações internacionais, o tratamento de dados ausentes para evitar vieses sistemáticos, a normalização dos dados para uma escala comum, a ponderação cuidadosa dos elementos do índice e, por fim, a agregação para formar os resultados finais.
A ponderação é um aspecto crucial e reflete a concepção teórica do índice: o sub-índice de poder (I) recebe um peso de 1/3, enquanto o sub-índice de valor (II) é ponderado em 2/3. Dentro de cada sub-índice, a dimensão econômica tem um peso maior, de 2/3, e a política, 1/3, enfatizando o maior impacto direto da atividade econômica nas sociedades. Os pilares e indicadores são ponderados por um painel de especialistas, utilizando um Processo de Alocação de Orçamento (Budget Allocation Process [BAP]).
Além do EQx, um projeto complementar, o NextGen Value Creation Barometer (NGVCb), é utilizado para avaliar a equidade intergeracional da qualidade da elite. O NGVCb emprega 33 indicadores distribuídos em cinco categorias principais: ecologia e capital natural, que possui o maior peso (30%), e oportunidades equitativas, educação e capital humano, saúde e bem-estar, e inovação e tecnologia, cada uma com 17,5%.
O barômetro prioriza a ponderação de indicadores que demonstram maior “agência da elite”, ou seja, esforços ativos de criação de valor voltados para a próxima geração, em contraste com meros resultados.
Principais conclusões do EQx2025
O EQx2025 apresenta mudanças notáveis no ranking global. Singapura mantém sua liderança na primeira posição. Os Estados Unidos demonstram um progresso significativo, subindo da 16ª para a 2ª posição geral, um avanço impulsionado em grande parte pela inclusão de cinco novos indicadores relacionados à inteligência artificial (IA), área na qual os EUA são líderes globais. Coreia do Sul e China também se destacam no campo da IA, ocupando a 3ª e 4ª posições, respectivamente, com a China alcançando o 19º lugar no ranking geral.
Contrariamente, o relatório aponta para um desafio considerável: muitos dos países líderes no EQx não estão capacitando adequadamente suas gerações jovens para criar valor sustentável, e em alguns casos, podem até estar transferindo valor para longe delas. O NGVCb revela que Dinamarca, Israel, Holanda, Suíça e Suécia são as nações que mais se destacam em termos de equidade intergeracional.
Em contraste, os EUA (55º lugar), China (68º lugar) e Singapura (23º lugar) exibem classificações consideravelmente mais baixas no NGVCb do que no EQx geral, o que sugere que ocorrem transferências de valor entre gerações. A Suíça se destaca como a única nação a figurar entre os cinco primeiros em ambos os índices, indicando um notável equilíbrio entre a criação de valor atual e a sustentabilidade futura.
O relatório também sublinha grandes desafios para as elites de muitas economias emergentes. O Brasil, por exemplo, registrou uma queda de 8 posições, chegando ao 72º lugar. A Turquia desceu 22 lugares, para o 84º, o Egito caiu 18 posições, para o 102º, e a África do Sul recuou 10 posições, para o 127º.
É quase uma unanimidade na ciência política e na economia, sobretudo depois dos trabalhos premiados de Acemoglu e Johnson[1], inferir que a qualidade da elite é um indicador fundamental para o crescimento econômico e o desenvolvimento humano futuros. Projeta-se que a Índia, Indonésia, China, Nigéria e Japão experimentarão crescimento impulsionado pela Criação de Valor Sustentável por parte de suas elites.
O caso do Brasil
No EQx2025, o Brasil ocupa a 72ª posição, marcando uma queda de 8 posições em relação a 2024, e é classificado como um país de “elites de qualidade média”. Uma análise mais detalhada de seu desempenho revela os seguintes dados: o sub-índice de poder (I) do Brasil está na 53ª posição, uma queda de 9 posições.
O sub-índice de valor (II) está na 99ª posição, com uma leve subida de 1 posição. A área do índice de poder político (i) encontra-se na 56ª posição, caindo 4 posições. A área do índice de poder econômico (ii) está na 49ª posição, uma queda mais acentuada de 13 posições.
Por outro lado, a área do índice de valor político (iii) é notavelmente forte, na 5ª posição, uma subida de 16 posições. No entanto, a área do índice de valor econômico (iv) é notavelmente fraca, na 126ª posição, registrando uma queda de 18 posições.
Essa performance detalhada revela um “paradoxo” no caso brasileiro: o país demonstra uma forte capacidade de criação de valor político, mas não consegue converter essa força em prosperidade econômica ampla e sustentável. Essa dicotomia é ainda mais evidente quando se observa o ranking do Brasil no NextGen Value Creation Barometer (NGVCb), onde o país ocupa a 101ª posição, caindo 2 posições. Este dado sublinha uma séria questão de transferências de valor intergeracionais, indicando que as ações das elites atuais podem estar comprometendo as oportunidades e o bem-estar das futuras gerações.
Os resultados do EQx2025 para o Brasil oferecem um diagnóstico claro e apontam para áreas críticas onde reformas estruturais e um projeto de desenvolvimento focado na Criação de Valor sustentável são imperativos.
Primeiramente, é fundamental reverter a tendência de extração de valor e o declínio do poder econômico. A queda do Brasil nas classificações de poder, especialmente no poder econômico, e seu fraco desempenho em valor econômico indicam que, apesar de uma elite politicamente engajada com alto valor político, essa influência não se traduz em prosperidade econômica coletiva e sustentável.
O relatório enfatiza que o poder, se não for bem direcionado, pode ser facilmente convertido em extração de valor. Para o Brasil, isso significa uma necessidade urgente de transformar seu sistema de incentivos para que os modelos de negócios das elites se concentrem na criação, e não na mera transferência ou apropriação, de valor.
Em segundo lugar, é crucial impulsionar a criação de valor econômico. Os pilares de valor do produtor, valor do capital e valor do trabalho do Brasil são consistentemente fracos. Para abordar essa fragilidade, são necessárias políticas que fomentem a inovação e o empreendedorismo social e coletivo, essenciais para a “destruição criativa” – um processo vital para renovar o sistema econômico. Isso inclui a implementação de medidas que incentivem o empreendedorismo e o capital de risco.
Além disso, o país deve buscar aumentar a competitividade em seus mercados, aprendendo com as experiências de outras nações que se beneficiaram da abertura seletiva e hierárquica à competição mundial. Simultaneamente, é imperativo melhorar o funcionamento do mercado de trabalho e a qualificação do capital humano.
Indicadores como a taxa de desemprego juvenil são preocupantes e, para o Brasil, investir em educação de qualidade, saúde e bem-estar para a próxima geração é uma prioridade inadiável.
Terceiro, a equidade intergeneracional deve ser priorizada. A classificação extremamente baixa do Brasil nesse quesito (101º) sinaliza que as elites brasileiras podem estar comprometendo as gerações futuras por meio de transferências de valor focadas em atividade extrativistas, não produtivas e rentistas.
É de vital importância que o país adote políticas de longo prazo focadas em na agregação de valor às vantagens comparativas, que é o setor de maior peso no indicador, e que o Brasil se encontra em uma posição preocupante, apesar de sua riqueza natural. Além disso, investimentos significativos em educação e capital humano e oportunidades equitativas são pilares fundamentais para a construção de uma sociedade mais sustentável e justa.
Finalmente, a construção de cenários e a transformação devem ser guiadas por uma análise profunda das dinâmicas de elite. O State of Elites Framework pode ser uma ferramenta valiosa para gestores públicos e pesquisadores. Com seus baixos escores em poder e valor econômico, o país provavelmente se enquadra na categoria de elites num processo regressivo ou retardatário.
Um projeto de desenvolvimento deve utilizar essas análises para identificar onde os modelos de decisão estratégica e as visões de mundo das elites se opõe ao desenvolvimento. A partir daí, propor reformas que estimulem a criação de valor social inclusivo e redistributivo. Isso inclui o fortalecimento das instituições para criar um ambiente de confiança e inclusão, propício a investimentos e inovação.
Em resumo, o EQx2025 – como qualquer outro índice ou ranking que tem limitações inerentes à metodologia e pressupostos, o indicador deve ser visto como um indício, não como um destino manifesto. Ele oferece uma ferramenta diagnóstica poderosa para compreender a complexa dinâmica das elites. Para que o país possa construir um projeto de desenvolvimento bem-sucedido e cenários futuros otimistas, mas realistas e pragmáticos, é essencial ir além da mera análise dos rankings e implementar reformas estruturais ousadas.
Essas reformas devem garantir que o poder da elite seja efetivamente canalizado para a criação de valor social, inclusivo e sustentável, beneficiando não apenas a geração atual, mas fundamentalmente as futuras gerações.
[1] Acemoglu, D., & Robinson, J. A. (2012). Why nations fail: The origins of power, prosperity, and poverty. New York, NY: Crown Business.