A Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), atualmente regulamentada no âmbito do Poder Executivo federal pelo Decreto 11.129/2022, mais do que delinear a responsabilidade objetiva de pessoas jurídicas por atos de fraude e corrupção, instituiu política pública com o intuito de aprimorar a integridade nas relações público-privadas.
De forma geral, a lei e sua regulamentação estabelecem essa política pública a partir de quatro pilares: o desincentivo à prática dos ilícitos por meio de sanções proporcionais ao faturamento de pessoas jurídicas; a recuperação de ativos (danos e vantagens indevidas); o incremento da capacidade investigativa da administração pública por meio da colaboração; e a prevenção da prática de ilícitos por meio da promoção da adoção de programas de integridade por entidades privadas.
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Embora esses pilares estejam expressamente delineados no artigo 32 do Decreto 11.129/2022, ao tratar dos acordos de leniência, sua plena compreensão na seara apuratória exige a análise dos critérios de dosimetria das sanções, previstos nos artigos 22 e 23 da mesma norma.
Nessa linha, recente estudo divulgado pela Controladoria-Geral da União (CGU), intitulado “Relatório de análise da dosimetria de sanções em Processos Administrativos de Responsabilização”, apresenta uma reflexão inicial sobre o tema, quantificando os impactos de cada um dos critérios de dosimetria. O estudo analisa as 159 multas aplicadas pela CGU com fundamento na Lei Anticorrupção desde o início da sua vigência até o final do ano de 2024.
Inicialmente, realça-se a conclusão de que 75% das sanções de multa aplicadas apresentaram alíquotas efetivas variando entre 0,1% e 7%. A Lei Anticorrupção, em seu art. 6°, prevê aplicação de multas com valor entre 0,1% e 20% do faturamento bruto anual da pessoa jurídica, excluídos os tributos, podendo esse percentual ser ultrapassado caso a vantagem indevida auferida em decorrência do ilícito seja superior ao teto estabelecido.
Especificamente, no que tange aos pilares da política pública, o estudo permite verificar a efetividade dos critérios de dosimetria na promoção do incremento da capacidade investigativa da Administração Pública por meio da colaboração, identificando que, em 38,4% das sanções aplicadas, houve colaboração da pessoa jurídica sancionada e que, em 27,7%, ocorreu a comunicação espontânea do ilícito ou a admissão da responsabilidade.
Menos êxito se observa no incentivo ao ressarcimento de danos ao erário. Dentre os casos em que a apuração constatou dano, em apenas 15,5% ocorreu voluntário ressarcimento previamente à aplicação da sanção, apesar da circunstância que reduz a multa.
A adoção de programa de integridade minimamente efetivo, outra circunstância apta a reduzir a multa, foi verificada em apenas 11,3% dos casos em que foi aplicada a sanção.
Destaca-se, contudo, o significativo incentivo proporcionado por esse critério de dosimetria, uma vez que, em média, o valor das multas aplicadas foi reduzido em 39% quando demonstrada a adoção do programa de integridade.
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O estudo da CGU sobre a dosimetria das sanções no âmbito da Lei Anticorrupção revela não apenas a aplicação concreta da norma, mas também o grau de efetividade dos mecanismos que visam à indução de comportamentos íntegros por parte das pessoas jurídicas.
A análise empírica demonstra que, embora haja avanços na promoção da colaboração, os resultados ainda são limitados no que se refere ao ressarcimento voluntário e à adoção de programas de integridade.
Para os operadores do direito, gestores públicos e agentes privados, compreender profundamente os critérios de dosimetria é essencial não apenas para a aplicação adequada da norma, mas também para o fortalecimento da governança e da integridade nas relações entre o público e o privado.