Após cerca de 25 anos de negociações, os líderes do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciaram a conclusão do acordo de parceria entre os dois blocos. Espera-se que o acordo represente um avanço estratégico na integração entre dois dos maiores grupos econômicos do mundo, com potencial para transformações econômicas e políticas.
O instrumento é visto de forma positiva por diversas empresas e representantes dos Estados-parte. No Brasil, por exemplo, espera-se uma maior competitividade dos produtos nacionais na União Europeia a partir da desgravação tarifária, o que é especialmente benéfico para o agronegócio brasileiro.
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Ademais, especula-se sobre possível atração de investimentos para o país, gerando emprego e renda. Esse instrumento é um passo importante para o aprofundamento da parceria entre dois dos maiores polos econômicos do mundo e inova ao abordar diferentes tópicos dentro de três pilares: diálogo político, assuntos comerciais e econômicos, e cooperação.
Como próximos passos, o texto passará por um processo de assinatura e ratificação, considerando a separação do pilar comercial para acelerar a aprovação legislativa pela UE. O acordo será submetido à revisão jurídica e traduzido para as 23 línguas oficiais da UE e as duas línguas oficiais do Mercosul, entre as quais o português.
A partir de então, o documento será assinado e terá início o processo de ratificação. No Brasil, a competência para aprovação é do Congresso Nacional, ao passo que na UE, conforme a proposta atual, a parte comercial será submetida à aprovação do Conselho da União Europeia e do Parlamento Europeu, sem necessidade de aprovação pelos 27 parlamentos nacionais.
Sendo um dos maiores instrumentos bilaterais já negociados, o acordo de parceria possibilita a abertura de novos caminhos ao abordar uma ampla gama de tópicos, como mercadorias, barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias, compras governamentais e resolução de controvérsias. O último ponto é relevante quando se trata de aproximação comercial, uma vez que litígios e cenários conflituosos podem surgir da aplicação desse instrumento.
Acordos bilaterais costumam incluir mecanismos gerais para a resolução de potenciais controvérsias que possam surgir entre as partes. Nesse sentido, o acordo entre o Mercosul e a UE estabelece mecanismos de resolução de disputas através de consultas iniciais, possibilidade de arbitragem e seção específica dedicada à preservação do equilíbrio do acordo, independentemente de violação aos termos acordados.
Além de incluir um capítulo abrangente sobre resolução de disputas, o acordo também estabelece um mecanismo específico para a resolução de questões que versam sobre comércio e sustentabilidade. Em particular, essa matéria é prevista no capítulo sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável (TSD, em inglês), podendo funcionar como um fórum de diálogo capaz de contribuir para a resolução de disputas que envolvam normas e questões relativas à sustentabilidade.
O capítulo TSD reafirma os principais instrumentos multilaterais de preservação ambiental, como a Declaração do Rio e a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Ele também garante o direito de cada país de regulamentar aspectos ambientais e trabalhistas em sua legislação nacional, enfatizando a necessidade de respeitar acordos internacionais e o compromisso de que medidas destinadas a proteger o meio ambiente ou as condições de trabalho não devem constituir discriminação arbitrária ou injustificada, nem representar uma restrição “disfarçada” ao comércio.
No que se refere à resolução de controvérsias, os Estados-parte do acordo podem recorrer aos mecanismos de resolução de disputas previstos no TSD para resolver eventuais conflitos no âmbito de comércio e sustentabilidade. Isso significa que as controvérsias relacionadas com essa matéria serão regidas pelas disposições do capítulo TSD do acordo, e não pelo mecanismo geral de resolução de controvérsias.
A título exemplificativo, os governos podem solicitar consultas bilaterais com a UE alegando que a norma pode afetar negativamente os objetivos de comércio sustentável e de cooperação do acordo. Ainda, as partes podem requerer a ativação de um subcomitê especializado como espaço de alto nível para troca de informações, avaliação conjunta de políticas e identificação de boas práticas.
Não havendo consenso, qualquer parte pode solicitar a criação de um painel de especialistas, que pode decidir se uma medida está em desacordo com os compromissos do TSD e emitir recomendações não vinculativas. O capítulo estabelece ainda paineis consultivos domésticos, com representantes da sociedade civil, que têm o poder de supervisionar a implementação do relatório do painel de especialistas e das suas recomendações, bem como de apresentar formalmente preocupações, com vista a gerar consultas.
A adoção de um capítulo dedicado a comércio e sustentabilidade e mecanismos específicos para resolução de conflitos nessa matéria não são exclusividades do acordo Mercosul-UE. Desde 2011, a UE tem celebrado parcerias com outros países que incluem um capítulo sobre essa questão.
Alguns casos similares são o Acordo Comercial com o Canadá (CETA), o Acordo Comercial com o Chile (ITA) e o Acordo de Livre Comércio UE-Singapura (EUSFTA). No entanto, o acordo Mercosul-UE apresenta algumas especificidades em comparação a eles. Por exemplo, esse instrumento estabelece a necessidade de criação de uma lista de produtos dos países do Mercosul que contribuam para a conservação, restauração, uso sustentável e gestão de florestas e ecossistemas vulneráveis.
Os produtos dessa lista, que deverá ser revista de três em três anos, poderão ter acesso preferencial ou adicional ao mercado da UE, ou beneficiarão de outros incentivos para promover o seu comércio, como assistência técnica e formação.
Os mecanismos de resolução de disputas previstos no TSD do acordo Mercosul-UE são importantes para garantir a previsibilidade e transparência das normas que tenham impacto diretamente nas empresas. Mecanismos como o sistema de consultas bilaterais entre os governos, o subcomitê especializado e o painel de especialistas podem gerar maior confiança no arcabouço regulatório, dado que permitem contestar, por intermédio dos respectivos governos, medidas comerciais que afetem negativamente os seus interesses.
Eventuais tensões sobre a aplicação de normas em matéria de comércio e sustentabilidade poderão ser tratadas diretamente entre os Estados, oferecendo às empresas um fórum de discussão de alto nível no qual suas reivindicações poderão ser apresentadas através dos seus governos.
Assim, os mecanismos gerais de resolução de litígios do acordo UE-Mercosul e aqueles previstos no TSD são essenciais para promover um ambiente de negócios mais seguro e transparente. A conclusão do acordo oferece meios eficazes para fomentar o diálogo entre os países dos dois blocos. Ao disponibilizar canais formais para diálogo, monitoramento e resolução de conflitos, esses mecanismos não apenas protegem os interesses das empresas, proporcionando, por exemplo, maior segurança jurídica, como também incentivam a adoção de práticas responsáveis, alinhadas às demandas de sustentabilidade globais.