Enquanto ainda absorve o choque da forte queda da popularidade capturada na última pesquisa Datafolha, o governo Lula tem um desafio de colocar de pé o orçamento de 2025 e achar espaço fiscal para agir e tentar recuperar terreno. A tarefa, porém, não é nada fácil com limitações econômicas e políticas relevantes.
No plano fiscal, o governo sequer tem um orçamento. A despeito de as medidas de corte de gastos aprovadas no ano passado terem impacto da ordem de R$ 30 bilhões para este ano, parte desse ganho é apenas contrafactual e o governo ainda tem outros temas para endereçar, como a compensação da desoneração da folha de pagamentos, cujas medidas para este ano (aumento das alíquotas do JCP e da CSLL) não foram aprovadas no Congresso e demandam alternativas de arrecadação.
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Além disso, ainda na seara das contas públicas, o governo tem o desafio de resolver o problema do Pé-de-Meia, programa que é um dos carros-chefes da atual administração, mas que se tornou um flanco de ataques políticos por conta dos questionamentos à forma de pagamento do benefício, por meio de fundos privados.
A gestão fiscal começou o ano em marcha lenta, aproveitando-se da falta de lei orçamentária aprovada para liberar a conta-gotas os gastos discricionários sobre o qual tem controle. E, se depender dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, após a aprovação da LOA, a ideia é que se faça um contingenciamento/bloqueio de gastos, mostrando maior contenção da despesa pública neste primeiro semestre.
Com o cenário de aprovação do Orçamento só em meados de março, talvez o ajuste não seja feito no primeiro relatório bimestral, já que há grandes chances de o orçamento sequer ter sido sancionado, ficando para maio, no segundo bimestral.
A tentativa de imprimir uma marcha mais lenta nos gastos visa garantir que o resultado primário, sem subterfúgios, seja melhor do que o de 2024 e mais próximo do zero efetivo. E dar um sinal ao Banco Central de que a política fiscal está fazendo a parte dela ao entregar a trajetória prevista no arcabouço vigente.
O problema é que o cenário para 2026 segue nebuloso e fica ainda mais nesse contexto de uma chocante queda na aprovação presidencial. Têm sido uma constante as dúvidas sobre o comportamento fiscal do governo, sobretudo em sua segunda metade, e agora isso se reforça.
Interlocutores ouvidos pelo JOTA até avaliam que algum impulso fiscal além do que está contratado no arcabouço é um risco, mas as limitações para o governo agir são muitas, desde econômicas até políticas.
Se o aumento do dólar, a inflação, sobretudo de alimentos, e a falsa discussão sobre taxação do PIX são as três principais razões apontadas dentro do governo para a queda na popularidade de Lula, o risco de uma reação desmedida no fiscal reforçar, sobretudo a subida da moeda americana, não pode ser desconsiderado. Ainda que a variável externa tenha sido determinante para a mudança de patamar do câmbio, a incerteza fiscal reforçou os movimentos da divisa, colocando o governo sob pressão.
Para além disso, ainda que nunca se deva apostar na responsabilidade fiscal do Congresso como algo natural, no âmbito político, as forças partidárias vão olhar bem as alternativas antes de respaldar medidas que deem mais força ao atual incumbente.
O ex-presidente Jair Bolsonaro conseguiu apoio para a farra fiscal de 2022, mas para Lula, será preciso antes ter bem acertado qual será o arco de alianças governistas para 2026 para então tentar arrancar mais dinheiro do Parlamento.
O episódio do Pé-de-Meia no TCU, aliás, foi didático. Em um órgão que tem forte influência política, foi dado um aviso de que o governo precisará fazer escolhas e não terá muito espaço para escapar das restrições impostas no arcabouço, que, depois do pacote de gastos, se tornou uma referência mais crível de trabalho para o próximo biênio.
É a partir do entendimento de que a economia segue como a principal variável para obter a reeleição que o Planalto tenta acelerar as poucas medidas de que dispõe para tentar reverter o quadro. Nenhuma delas é bala de prata e as chances de impacto grande no humor do eleitorado dependerão de muitas variáveis. E já estavam na trilha de serem adotadas desde o ano passado, só aguardando a escolha de momento político.
No curto prazo, os exemplos citados são a isenção da tabela do Imposto de Renda, o consignado privado e o vale-gás. A aposta que vem ganhando força é a de que os temas serão endereçados ao Congresso antes do Carnaval, a pedido do Planalto.
Enquanto há consenso entre setores financeiros com a nova modalidade de empréstimo, que deve ter o primeiro passo concreto por meio de uma medida provisória, os outros dois temas seguem opondo alas no governo. O impacto do consignado privado é bastante incerto, mas se os bancos públicos resolverem entrar no jogo, podem dar um impulso, ainda que não necessariamente represente uma mudança de jogo.
Bancos públicos, aliás, que devem ter mais atuação neste segundo biênio, mas como operam a taxas de mercado, a alta da Selic não ajuda muito o cenário para o governo.
No caso do vale-gás, o orçamento de 2025 prevê um incremento de apenas R$ 600 milhões para o programa, e o governo discute ajustes. O problema é que, dentro da equipe econômica, o redesenho incluiria um programa para 5 milhões de brasileiros, enquanto tanto Lula quanto o Ministério de Minas e Energia falam em alcançar 22 milhões.
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No caso da isenção do IR, o impasse é sobre a fonte de compensação, o que no fim das contas pode afetar o desenho final da proposta de beneficiar quem ganha até R$ 5 mil. Nas últimas semanas, o governo foi alertado sobre a resistência do Legislativo com o imposto mínimo para altas rendas, e cenários alternativos têm sido apresentados em conversas no Planalto.
Uma ala mais pragmática da Esplanada diz estar convencida de que não dá para fazer loucura. Mesmo se o governo quisesse, seria arriscado entrar em uma nova queda de braço com o mercado e seria preciso um respaldo político que, por ora, parece inexistir.
Por isso, a lógica agora é tentar manter o processo de queda do dólar e cuidar para evitar volatilidades adicionais com as medidas que serão anunciadas, ganhando tempo e permitindo uma visualização mais clara dos cenários políticos e econômicos doméstico e externo.
Ao inverter a lógica do ciclo orçamentário com a PEC da transição e o pagamento de precatórios, especialmente depois de o mercado ter punido o governo pelas incertezas fiscais, o caminho ficou muito estreito para o Planalto. Ainda assim, é sempre bom lembrar que governos sempre têm capacidade de fazer algo e surpreender.