Ex-ministro da Saúde e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, o médico José Gomes Temporão deve colaborar nas discussões para estruturação da política de enfrentamento do vício em jogos no país. Há poucos dias, Temporão teve o primeiro encontro sobre o tema com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT-SP). Na próxima terça (24/6), uma nova reunião deve ser realizada, agora para discutir as propostas de uma forma mais aprofundada.
Temporão avalia ser necessária a adoção de uma estratégia com abordagem ampla, que inclua tratamento, prevenção, redução de danos, além de pesquisas e mecanismos para obtenção de recursos suficientes para financiar tais ações.
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“A gente não tem a dimensão concreta desse problema na sociedade brasileira”, afirmou ao JOTA. “Há uma percepção de que isso está totalmente fora de controle e que a demanda para o serviço de saúde mental está aumentando muito”, completou.
Algumas pesquisas dão pistas sobre extensão da dependência, associada por especialistas sobretudo à proliferação das plataformas de apostas digitais (Bets). Não há, contudo, números precisos. Um estudo de 2024, por exemplo, estimava que o Brasil teria aproximadamente 10 milhões de apostadores. Estudos internacionais mostram que um em cada três jogadores têm impulsos suicidas. “O impacto para sociedade, para sistema de saúde, para produção é enorme.”
O plano defendido por Temporão foi preparado em parceria com o Instituto Moderação. Uma das propostas é a adoção de um sistema para identificação do risco de jogadores compulsivos. Outro aspecto seria obrigar as plataformas de jogos a criar mecanismos de auto-exclusão. “Seria importante também organizar os sistemas de forma a orientar as pessoas com esse perfil a buscar um tratamento médico, porque a compulsão é um distúrbio e precisa de tratamento.”
Grupo Interministerial
A ideia, afirmou Temporão, é que as propostas sejam levadas também para discussão entre integrantes do grupo interministerial, criado em dezembro pelo governo para preparar uma estratégia de enfrentamento ao vício em jogos. O plano de trabalho deveria ter sido concluído em março, o que não ocorreu.
Com o novo prazo para apresentação da proposta, a expectativa de Temporão é de que as sugestões do instituto – que desenvolveu um sistema para identificação de apostadores compulsivos – possam também ser avaliadas.
Mas propostas são inúmeras, avalia. “Tem muita gente boa pensando e começando a trabalhar com isso, porque agora isso virou um problema de saúde pública. O brasileiro joga em tudo.Mas agora mudou o padrão, porque você tem o jogo na tua mão, em qualquer momento, em qualquer lugar e sem nenhum controle. Crianças, adolescentes, jovens, aposentados..”
Publicidade
Temporão considera essencial criar uma política de Estado, que envolva não apenas regras de exclusão de apostadores com perfil compulsivo, mas também restrições à publicidade e campanhas. “Do jeito que está hoje, é inimaginável. De manhã à tarde, nas televisões, transmitindo jogos de futebol, crianças assistindo, jovens assistindo. Está lá a propaganda das bets, utilizando atletas.”
No fim de maio, o Senado aprovou um Projeto de Lei com restrições à propaganda de apostas de quotas fixas. O PL chegou à Câmara na semana passada para apreciação. Entre as limitações previstas na proposta, estão a proibição de anúncios ou ações de publicidade com atletas, artistas, comunicadores, influenciadores ou autoridades, a veiculação de propaganda de bets durante exibição de jogos e peças publicitárias que associem apostas ao êxito social, por exemplo.
O ex-ministro considera a proposta promissora, mas avalia que haverá resistência na aprovação, daí a necessidade de mobilização.
Financiamento e treinamento
Para Temporão, o financiamento das ações deveria ser feito por meio dos impostos recolhidos das plataformas de apostas. “Os recursos deveriam ser direcionados especificamente para a prevenção e tratamento da compulsão e treinamento de profissionais.”
O ex-ministro observou, por exemplo, que a maior parte dos psicólogos e psiquiatras não dispõe de conhecimento e de experiências necessárias para lidar com essas situações.
Ressaltou, ainda, a necessidade de campanhas de informação. “O que você está vendo o tempo todo neste momento? Você está vendo apenas: jogue. Você não está vendo mensagens: temos um problema, cuidado, crianças, cuidado, adolescentes, não pode, é proibido. Estamos numa selva. Salve-se quem puder. Todo mundo pode fazer o que quer. Isso é inadmissível.”