O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que a aplicação da Lei Magnitsky por parte dos Estados Unidos contra ministros brasileiros representaria uma “interferência indevida” e uma “ameaça” à independência judicial. A declaração foi dada em conferência nesta segunda-feira (4/8) na Fundação Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo.
“Punir um juiz por decisões que tenha tomado é um péssimo exemplo de interferência indevida, e ainda mais quando isso advém de um país estrangeiro em relação a outro país soberano”, afirmou Fachin. Segundo ele, esse tipo de medida “funciona como uma espécie de ameaça”, mas não deve intimidar o Judiciário brasileiro. “Nós não vamos nos assombrar com esses ventos que estão soprando vindo do norte, por mais fortes que sejam”, disse.
Na última semana, o ministro Alexandre de Moraes foi sancionado pelos Estados Unidos sob a Lei Magnitsky, com proibição de entrada no país, bloqueio de eventuais ativos em território norte-americano e limitação do acesso a serviços de empresas com operações nos EUA. Segundo o Departamento do Tesouro dos EUA, Moraes foi responsabilizado por “prisões preventivas arbitrárias” e censura à liberdade de expressão no contexto do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, sob acusações de tentativa de golpe contra a eleição de 2022
Fachin ainda disse que o caminho legítimo para contestar decisões judiciais é o recurso ou a crítica pública, não sanções políticas. “Punir internamente juiz por decisão tomada, pelo conteúdo ou pelos efeitos políticos e ideológicos da decisão, é absolutamente indevido. É algo que representa uma ofensa aos princípios mais comezinhos da independência e da autonomia judicial”, disse.
O atual presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, elogiou Moraes na abertura das atividades da Corte após recesso, na semana passada. O ministro disse que “nem todos compreendem os riscos que o país correu e a importância de uma atuação firme e rigorosa”. Também disse que Moraes atua com “empenho, bravura e custos pessoais elevados”. Além disso, outro colega do colegiado, Flávio Dino, saiu em defesa de Moraes nas redes sociais, prestando sua “solidariedade pessoal”, segundo publicação no Instagram.
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Protagonista contido
Fachin, que assumirá ainda este ano como presidente da Corte, defendeu uma postura de “autocontenção estratégica” para o STF. “A coragem sem prudência leva alguém a se atirar no abismo sem nenhuma rede de proteção. A prudência sem coragem é omissão. É preciso agir com ousio e com prudência”, disse. “A vitalidade democrática brasileira exige uma rede institucional. O Supremo não decide sozinho”.
Fachin ainda afirmou que a Corte deve decidir segundo a Constituição, e não conforme o “senso comum mediano”. Ele citou decisões divergentes como a criminalização da homofobia e a negativa ao uso de banheiros por pessoas trans como evidência da diversidade de posturas do tribunal. “É preciso um senso comum democraticamente esclarecido. O Parlamento governa por maioria. O Supremo decide pela Constituição”.
“Como toda casa que envelhece, a beleza de nossa Constituição só se preserva com reparos constantes e reformas ocasionais. Se mantivermos este zelo, a casa de 1988 continuará a ser o abrigo da democracia brasileira, não como um museu do passado, mas como um espaço vivo capaz de acolher o futuro”, disse.
O ministro também apresentou três princípios para uma atuação mais equilibrada da Corte. O primeiro, a separação de partidos, não apenas de Poderes. Para ele, é preciso levar em conta o peso dos partidos políticos no funcionamento das instituições. “O Supremo deve reconhecer que o risco democrático não está apenas na violação direta da Constituição, mas também na cristalização de arranjos partidários que bloqueiem o funcionamento plural da política”, disse.
Além disso, propôs o combate à chamada “jurisprudência de classe média”: Fachin criticou decisões que consolidariam privilégios e afastariam o Judiciário das maiorias sociais. Além disso, Fachin rejeitou a ideia do STF como árbitro solitário da Constituição, defendendo a atuação coordenada com instituições como Ministério Público, Tribunais de Contas, Controladoria-Geral da União e sociedade civil.
O ministro ainda defendeu equilíbrio nas decisões monocráticas. Para ele, iniciativas como como o maior uso do plenário virtual para referendar liminares individuais são avanços. “Se excessivas, as monocráticas são uma patologia. Se ausentes, podem causar ofensa a direitos. O equilíbrio é fundamental”, afirmou.