O crescimento das operações de private equity no Brasil, executadas por meio dos Fundos de Investimento em Participações (FIPs), tem provocado transformações significativas na estrutura de diversos setores econômicos. Esses fundos atuam de maneira ativa na gestão das sociedades investidas, influenciando diretamente suas políticas estratégicas, operacionais e financeiras, com o objetivo de maximizar o valor de mercado das empresas e garantir elevados retornos no momento do desinvestimento. A centralização de decisões estratégicas em torno de gestores que influenciam múltiplas sociedades empresárias de um mesmo setor pode alterar o equilíbrio competitivo, reduzindo a autonomia das sociedades e, em alguns casos, criando condições propícias a condutas anticoncorrenciais.
Nesse cenário, a atuação dos FIPs ganha relevância não apenas sob a ótica do mercado de capitais, mas também sob a perspectiva da defesa da concorrência. Ao promoverem a consolidação de setores econômicos e ao exercerem influência sobre sociedades concorrentes, os fundos de private equity podem contribuir para a formação de grupos econômicos de fato, dificultando a identificação dos centros reais de decisão e controle. Assim, a análise da atuação dos FIPs sob o prisma econômico-concorrencial revela a tensão entre a busca por eficiência e a criação de valor, de um lado, e a necessidade de preservação da estrutura competitiva dos mercados, de outro.
O modus operandi dos fundos de private equity
As atividades de private equity dos fundos de investimentos, desenvolvidas no Brasil por meio dos denominados Fundos de Investimentos em Participações (FIPs), envolvem não só o aporte de recursos financeiros do fundo nas sociedades investidas, mas também a participação ativa no “processo decisório de suas sociedades investidas, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão”, conforme previsão da Resolução CVM nº 175/2022, Anexo Normativo IV, art. 5º, §1º.
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Algumas das formas pelas quais os FIPs podem participar do processo decisório da sociedade investida, conforme exemplificado na mesma Resolução da CVM, são: (i) a detenção de ações que integrem o bloco de controle da sociedade investida, (ii) a celebração de acordo de acionistas, e (iii) a celebração de qualquer contrato, acordo, negócio jurídico ou a adoção de outro procedimento que assegure a efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão, inclusive por meio da indicação de membros do conselho de administração.
A principal característica dos investimentos feitos por FIPs é a “geração de valor a partir da influência do investidor na gestão da companhia investida, de modo a tornar o empreendimento rentável para que, no futuro (quando do desinvestimento), o investidor recupere o capital investido acrescido de remuneração compatível com o alto risco assumido”[1]. Por essa razão, em geral as sociedades que recebem aportes de investimentos de FIPs são aquelas que possuem grande potencial de crescimento, por vezes estando ainda em estágio inicial, que podem ter seus ganhos financeiros potencializados por meio da gestão profissionalizada oferecida pelos FIPs.
Sendo essa a principal característica dos investimentos feitos por FIPs, destaca-se que esse tipo de fundo de investimento tem verdadeira obrigação regulamentar de interferir nas políticas comerciais das sociedades investidas, conforme destaca Wellisch:
Os gestores de recursos, por meio de uma série de arranjos de governança, cláusulas contratuais e uma postura ativa em relação a cada investida, contribuem para o seu desenvolvimento, agregando sua experiência na administração de empresas a partir de um planejamento estratégico, criação de processos mais eficientes, auxílio no relacionamento com credores e na possível renegociação de dívidas, barateamento de custos de fornecedores, ampliação da base de clientes, dentre outras medidas, sempre com o objetivo de maximização dos resultados das empresas investidas para, com isso, gerar rendimentos para os cotistas dos fundos investidores e, ao final, viabilizar a saída do investimento – seja por meio da venda para outro investidor estratégico ou, por exemplo, por uma listagem em bolsa – com o almejado retorno para os investidores.[2]
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Portanto, os gestores de FIPs são profissionais com expertise nas peculiaridades de determinado mercado, sendo corriqueiro que o mesmo fundo invista e, portanto, influencie as políticas comerciais e estratégicas de mais de uma sociedade empresária do setor.
Questões concorrenciais envolvendo fundos de private equity
Daí surgem preocupações concorrenciais em relação aos investimentos feitos por FIPs, considerando que a estratégia de consolidação de setores por meio de investimento simultâneo em várias sociedades empresárias gera risco de que um só FIP detenha investimentos em várias sociedades concorrentes.
Nesse contexto, destaca-se o voto proferido pelo Cade no julgamento do Ato de Concentração nº 08012.009044/2011-39 (Envolvidos: Brasil Energia Renovável – FIP e Servtec Investimentos e Participações LTDA). Nesse caso, foram analisados os efeitos concorrenciais do modus operandi dos fundos de investimento que, além de influenciarem diretamente as políticas comerciais das sociedades empresárias investidas, tendem a ter atuação especializada em certos setores, gerando aproximação entre as diversas sociedades empresárias investidas daquele mercado relevante.
No voto, foi sistematizado o bloco de questões concorrencialmente sensíveis envolvendo fundos de investimento, da seguinte forma: “(i) consolidação de setores como fator gerador de valor, (ii) controle das atividades das investidas como fator gerador de valor, (iii) proximidade intensa entre os diversos atores como fator gerador de valor, (iv) não apresentação de operações ao SBDC”.
As questões concorrencialmente sensíveis elencadas envolvem a preocupação de que os fundos de investimento, especialmente os FIPs, funcionem como veículo para a unificação tácita das orientações concorrenciais das sociedades empresárias investidas, considerando a tendência de que o mesmo FIP invista e interfira na política comercial de mais de uma sociedade empresária do mesmo setor.
No mesmo contexto, o Cade analisou o Ato de Concentração nº 08012.003886/2011-87 (Envolvidos: Anhanguera Educacional Ltda., Instituto Grande ABC de Educação e Ensino Ltda. e Novatec – Serviços Educacionais Ltda.), que envolvia sociedades empresárias do ramo educacional, tendo identificado grande influência de determinado fundo de investimentos no setor.
O ato de concentração teve por objeto a aquisição, pela Anhanguera Educacional, da integralidade do capital social das instituições de ensino Novatec e Instituto Grande ABC. Para analisar se tal ato de concentração causaria prejuízos à concorrência, o Relator, Conselheiro Alessandro Octaviani, fez ampla pesquisa jurisprudencial dos casos em que o Cade já havia analisado o mercado educacional brasileiro, constatando a existência de omissão da autarquia quanto à influência dos fundos de investimentos no setor.
Esse aspecto, como entendeu o conselheiro relator, é essencial para a correta análise da operação, dos seus efeitos na concorrência nacional e para a eficaz proteção à concorrência e aos consumidores, considerando que permite a identificação dos centros de comando decisório das instituições educacionais, permeadas pela influência de fundos de investimentos e outras entidades do mercado financeiro.
O conselheiro relator identificou que os fundos de investimentos promoveram importante papel na consolidação e na concentração do setor de educação superior privada no Brasil, considerando que não fazem meros aportes financeiros nas sociedades investidas, como investidores passivos, mas detêm postura de real influência na gestão e na governança das sociedades empresárias. Desse modo, para correta análise do Ato de Concentração, o Conselheiro Relator entendeu ser necessário considerar não apenas as sociedades empresárias prestadoras de serviços educacionais, mas principalmente as entidades financeiras que muitas vezes detém controle sobre mais de uma entidade educacional.
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A consequência da influência do setor financeiro no mercado educacional, como constatou o relator, foi a existência de fundos de investimentos que detém, em sua “teia de investimentos”, mais de uma instituição educacional, unificando o seu controle. O mesmo fundo de investimento – Fundo de Educação para o Brasil – tinha influência tanto na instituição de ensino adquirente no Ato de Concentração em análise, Anhanguera, quanto em outra grande instituição de ensino, Anhembi Morumbi. Segundo o Relator, esse cruzamento de influências entre as instituições permitiu que ambas estivessem sob o mesmo comando por anos, sem que a autarquia tivesse percebido.
Portanto, constatou-se, no caso, que os entrelaçamentos de participações acionárias e de membros dos órgãos administrativos das sociedades empresárias promoveu o mascaramento da mudança de controle delas, permitindo que passassem a integrar grupo econômico de forma disfarçada. Como destacado, isso se deveu em grande medida ao modus operandi próprio de fundos de investimentos, que costumam aportar recursos e, consequentemente, influenciar a política comercial de mais de uma sociedade empresária do mesmo mercado, no qual é especializado.
A influência de um mesmo FIP em mais de uma sociedade do mesmo setor por vezes surge pela existência de interlocking directorate, que ocorre quando duas ou mais sociedades empresárias são interligadas pela similitude de membro dos órgãos de administração ou pelo relacionamento que seus administradores detêm em terceira sociedade empresária[3]. Nesse contexto, o mesmo FIP indica administradores para duas ou mais sociedades do mesmo setor, consubstanciando o interlocking directorate horizontal, ou seja, entre sociedades concorrentes.
Com efeito, a doutrina especializada reconhece que “investimentos de private equity quase sempre resultam na obtenção, pelo fundo, de assento no órgão diretivo da companhia investida”[4]. Assim, no citado ato de concentração que envolveu as entidades educacionais, entendeu-se que o interlocking directorate, somado aos cruzamentos de participações acionárias, permitiram a unificação do controle estratégico das concorrentes Anhanguera e Anhembi Morumbi, que estavam sob a mesma “orientação concorrencial central”, integrando, portanto, grupo econômico.
Como se vê, o modus operandi de gestores de FIPs, que envolve (i) a interferência dos administradores nas políticas comerciais e estratégicas das sociedades investidas e (ii) a consolidação de determinado setor da economia por meio da atuação em mais de uma sociedade concorrente, desperta a preocupação da autoridade concorrencial com o controle de sociedades concorrentes por um mesmo FIP.
No âmbito do controle de condutas, essa preocupação é relevante em razão do aumento do risco de adoção de condutas colusivas entre as sociedades concorrentes que sofrem a influência de um mesmo FIP. No âmbito do controle de estruturas, essa preocupação é relevante em razão da possível integração das sociedades investidas, que passam a estar sob o controle comum de um FIP, em grupo econômico sem que haja a necessária notificação à autoridade.
Conclusão
A peculiaridade dos investimentos feitos por FIPs, que atuam no segmento de private equity no Brasil, é a geração de valor por meio da gestão ativa e profissionalizada das sociedades investidas, com o objetivo de torná-las mais rentáveis para, futuramente, possibilitar uma saída lucrativa do investimento. Essa atuação exige dos gestores dos FIPs ampla expertise setorial e uma postura ativa na governança das sociedades investidas, o que pode resultar na consolidação de setores e na influência simultânea de um mesmo fundo em mais de uma sociedade concorrente.
Essa atuação estratégica dos FIPs levanta preocupações concorrenciais, especialmente quando um mesmo fundo investe em diversas sociedades do mesmo setor, podendo unificar de forma disfarçada suas políticas comerciais e decisões estratégicas. A influência de um mesmo FIP em mais de uma sociedade concorrente, comumente exercida por meio de estruturas como interlocking directorate e cruzamento de participações acionárias, pode mascarar a formação de grupos econômicos e comprometer a livre concorrência, trazendo preocupações relevantes tanto no controle de condutas (pela possibilidade de colusão) quanto no controle de estruturas (pela ausência de notificação à autoridade concorrencial).
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[1] ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade de cotistas e administradores nos fundos de investimento em participações, in. Direito dos fundos de investimentos, coord. KUYVEN, Fernando. 1ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. Fl. 354.
[2] WELLISCH, Julya Sotto Mayor. Como a Lei da Liberdade Econômica pode contribuir para por fim ao
estigma dos Fundos de Investimento em Participação?, ‘in’ Direito societário e outros temas de direito
empresarial aplicado – coords. André Grunspun Pitta e Guilherme Setoguti J. Pereira (obra coletiva), SP:
Quartier Latin, 2021, p. 505.
[3] MAMEDE, Raíssa. Interlocking directorates no Brasil: um estudo dos efeitos concorrenciais a partir das formas de sua manifestação na prática societária. 2024. Dissertação de Mestrado – Universidade de Brasília – UnB.
[4] Tradução livre. STALLINGS, William H., SILAS, Jeremy B., DUENAS, Gabriela N., NWABUEZE, Ora. Private equity toll-ups amidst heightened antitrust enforcement. CPI Antitrust Chronicle. Jun/2024.

