Desde a apresentação da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados pela tentativa de golpe de Estado no Brasil, em 2022, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, adotou como estratégia de acusação a contextualização dos fatos no que ele denomina de “introdução necessária”. Neste preâmbulo, o PGR explica que a ordem democrática é o bem jurídico tutelado, por isso, proteger algo abstrato e com interpretações diferentes sobre seus contornos requer desafios.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
Em uma hora de sustentação oral, não seria diferente. Em sua avaliação, é preciso concatenar os acontecimentos para dar a devida seriedade aos atos criminosos e evitar que a trama golpista seja vista apenas como “um plano bonachão”.
Gonet sabe dos desafios jurídicos dos crimes tentados, ainda mais quando se trata de um crime que envolve disputas políticas. Neste caso, se a tentativa tivesse ocorrido, não haveria sequer o julgamento no Supremo Tribunal Federal.
O procurador tem consciência de que uma das estratégias da defesa é minimizar os fatos e tirá-los de contexto. Isolados, os fatos falam pouco por si. O plano de matar um presidente eleito e um ministro da Suprema Corte pode ser reduzido a um pensamento digitalizado de um militar, a apresentação de um documento com “considerandos” sobre a situação brasileira pós-eleições pode não ser entendido como uma minuta de golpe, as anotações golpistas podem ser lidas como rabiscos sem importância e as reuniões com comandantes das Forças Armadas podem ser relativizadas.
Por isso, Gonet reforça insistentemente na estrutura da narrativa trazida na acusação e mostra como os fatos foram sendo conduzidos nos dois últimos anos do governo de Jair Bolsonaro e como a estrutura estatal foi sendo usada para se fazer a intentona golpista.
Para evitar nulidades, Gonet reduziu a colaboração de Mauro Cid a relatos “úteis para o esclarecimento dos fatos relacionados à investigação” que a Polícia Federal já tinha descoberto antes de forma independente e que Cid “acrescentou-lhes profundidade”.
Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA
Gonet defendeu que o seu trabalho é a tutela da democracia com elementos que estão sob a guarda da Constituição. Portanto, em sua fala, ele busca afastar qualquer imputação de parcialidade política. “A ordem disposta na Constituição dispõe de meios institucionais para atalhar investidas contra ela própria e o seu espírito”.
Lembrando dos diversos golpes que o Brasil já sofreu ao longo de sua história, o procurador argumenta que qualquer opção de poder fora das regras eleitorais, é golpe e essas ideias não podem prosperar.
“Nenhuma providência jurisdicional, contudo, é de valia contra a usurpação do poder pela força bruta, que aniquila a organização regular desejada e arquitetada pela cidadania, expressa pelo seu poder constituinte. Em casos assim, se a intentona vence, pela ameaça do poderio armado ou pela sua efetiva utilização, evidentemente não há o que a ordem derruída possa juridicamente contrapor”, disse.
Sem surpresas, Gonet sabe que entra nesse julgamento com chances de vitória, portanto, sua manifestação focou mais em explicar como se deu a denúncia e que sua função não extrapola o que a Constituição designou ao Ministério Público sobre a defesa do regime democrático.