Apesar de ver pouco espaço para novas elevações de tributos, o governo usou o projeto de lei complementar da redução de benefícios fiscais para comprar briga com empresas que aderem ao lucro presumido. No PLP assinado pelo líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), foi incluída a elevação em 10% da base de cálculo do IRPJ/CSLL neste regime.
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A regra só se aplicará aos percentuais de “presunção incidentes sobre a parcela da receita bruta total que exceda o valor de R$ 1.200.000,00 no ano-calendário”.
Por exemplo, na prestação de diferentes tipos de serviços, a base de cálculo com a medida, caso efetivada, subiria de 32% do faturamento da empresa para 35,5%. Sobre essa base maior, serão aplicados o IRPJ e a CSLL. A presunção de lucro varia conforme a atividade da empresa, e tem como limite o faturamento anual de R$ 78 milhões.
Renúncia fiscal ou alternativa simplificada de recolhimento?
Diferentemente do Simples, que beneficia micro e pequenas empresas, o lucro presumido não é tratado formalmente como um incentivo fiscal.
A rigor, ele seria apenas um mecanismo alternativo e bem menos burocrático para tributação do lucro, especialmente em empresas médias. É bastante comum no mercado financeiro, em escritórios de advocacia, empresas de tecnologia da informação, entre uma série de outras.
Como não se trata de uma renúncia fiscal, não há no Demonstrativo de Gastos Tributários (DGT) divulgado anualmente pelo governo nenhuma estimativa de perda de arrecadação com a medida. O DGT é a base que norteia a proposta de cortes de benefícios fiscais formalizada na sexta-feira (29).
Ainda assim, tem havido entre especialistas contestações sobre se as presunções consideradas atualmente não estariam sendo muito generosas para os contribuintes, prejudicando o financiamento estatal e a concorrência com as empresas que são obrigadas a recolher pelo sistema de lucro real.
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Interpretações iniciais
O tributarista Breno Vasconcelos, professor do Insper e sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados, lembra que o limite de receita que permite às empresas usarem esse sistema mais simplificado vem sendo criticado há alguns anos, por ser muito alto e acabar, indiretamente, se tornando um benefício fiscal.
“Aliás, outra crítica está no fato de o lucro presumido acabar sendo um fator relevante, do ponto de vista tributário, na vantagem da chamada pejotização. Associado à isenção de dividendos e a não incidência de contribuição previdenciária patronal, ele fecha a lista de vantagens econômicas da contratação de uma pessoa jurídica em vez da contratação do mesmo serviço por um empregado (CLT)”, comentou.
Vasconcelos avalia que essa discussão deveria estar dentro de um contexto de reforma da tributação da renda, “não com mais essa tentativa de simplesmente aumentar a receita para garantir o superávit primário”.
Para Daniel Loria, sócio do Loria Advogados e ex-diretor da Secretaria de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, o governo buscou uma solução pragmática. “O ideal seria revisitar o regime de tributação, tentando aproximar a base de cálculo do lucro efetivo da empresa”, disse, destacando que o PLP 182, na prática, pela primeira vez, coloca essa alternativa simplificada como um gasto tributário.
Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur Advogados e presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT), reforça que o lucro presumido é um “método de apuração da base de cálculo do Imposto de Renda e não um incentivo fiscal”.
“Como é um regime opcional, não pode ser visto como uma renúncia tributária. A empresa optante pode, eventualmente, ter vantagem ao apurar seus tributos por esse regime, mas também pode não ter. Vejo esse projeto de lei como extremamente perigoso, justamente por essa questão, pois tende a gerar um contencioso enorme”, salientou.
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Bode na sala ou tentativa de fato?
Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou até o momento sobre o tema, que não foi abordado na exposição de motivos do PLP, diferentemente de outro “jabuti” (tema alheio à proposta), que apertou o cerco às bets. A pasta tampouco informou a estimativa de impacto dessa medida isoladamente. No total, a proposta de lei complementar tem impacto fiscal de R$ 19,8 bilhões de aumento na arrecadação.
Um interlocutor do governo disse ao JOTA que a medida é correta porque, na prática, aumenta a taxação sobre a renda de quem vive de dividendos e está sendo subtributado no nível das empresas. Essa fonte lembra que as companhias têm a opção de serem tributadas pela sistemática de lucro real, se considerarem que o aumento da base de cálculo está elevando muito o imposto a pagar.
Outra fonte afirma que, em um contexto de criação de imposto mínimo de 10% sobre super ricos e taxação de dividendos, haverá aumento relevante de carga tributária para setores que estão pejotizados.
Chances de avanço
Como ainda está muito no início, é difícil dizer se a matéria tem chance de prosperar. Mas é evidente que o tema será alvo de grande polêmica e é candidato a ser o “bode na sala” na discussão do corte linear dos gastos tributários.
Apesar de o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), eleger esse tema como assunto prioritário, o corte de incentivos terá uma caminhada difícil no Congresso, como a nota da CNI criticando o aumento de carga tributária proposto já deixou claro.
Por ora, de qualquer forma, a medida já serviu ao governo para ajudar a fechar o projeto de lei orçamentária, ganhando tempo para que novas alternativas de arrecadação possam ser encontradas até o fim do ano, quando a peça será votada –ou mesmo ano que vem, durante sua execução.

