O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu cobrar o Congresso Nacional para que criminalize o desaparecimento forçado de pessoas. A medida foi tomada quase 15 anos depois da condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que reconheceu violações na repressão da ditadura militar à Guerrilha do Araguaia, na década de 1970.
Tomada em novembro de 2010, a sentença da Corte IDH no caso “Gomes Lund vs Brasil” condenou o país a tipificar o crime de desaparecimento forçado “em um prazo razoável”.
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Uma nota técnica aprovada nesta terça-feira (14/10) por unanimidade no CNJ entende ser “imprescindível a adoção de medidas voltadas à celeridade na tramitação e urgência na aprovação” de projetos que estão na Câmara e no Senado e que tipificam o delito.
O texto ainda ressalta que a sentença está descumprida há quase 15 anos e que a violação não é exclusiva do contexto ditatorial. Outras duas condenações do Estado brasileiro pela Corte IDH por desaparecimentos ocorridos em 1990 e 2002 impõem a mesma providência.
O documento será enviado à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal. O procedimento não tem o poder de obrigar a aprovação das normas no Congresso.
De acordo com o relator da nota técnica, conselheiro José Rotondano, a manifestação faz recomendações e sugestões ao Poder Legislativo sobre os projetos de lei em tramitação. “Trata-se de uma contribuição do CNJ ao debate público, respeitando, naturalmente, a autonomia do nosso Legislativo”.
Segundo Rotondano, o objetivo é instrumentalizar o tema, “possibilitando ainda a abertura do caminho para mudanças estruturais sobre as bases de um enfrentamento coordenado de desafios que esses casos trouxeram para o Brasil”.
Presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin destacou os 15 anos sem cumprimento da decisão. “Esse é um tema de fato relevante para o Estado brasileiro, que assumiu inúmeros compromissos na ordem internacional, vinculou-se a esse compromisso e, quando me refiro ao Estado brasileiro, também estou me referindo a obrigações do Estado legislador”, afirmou.
Projetos
Atualmente, três propostas tramitam no Congresso sobre o tema: os projetos de lei (PLs) 6.240/2013 e 5.215/2020, na Câmara dos Deputados, e o 236/2012, no Senado Federal.
Os textos tratam da tipificação do crime de desaparecimento forçado de pessoa como crime hediondo e imprescritível, e da prevenção e repressão ao desaparecimento forçado de pessoas, com medidas de atenção às vítimas.
Os projetos preveem penas diferentes. O PL 6.240/2013, já aprovado no Senado e hoje na Câmara, a estabelece reclusão de 6 a 12 anos para quem “apreender, deter, sequestrar, arrebatar, manter em cárcere privado ou de qualquer outro modo privar alguém de sua liberdade, na condição de agente do Estado, de suas instituições ou de grupo armado ou paramilitar, ocultando ou negando a privação de liberdade ou deixando de prestar informação sobre a condição, sorte ou paradeiro da pessoa”.
Já o PLS 236/2012 tem uma redação mais enxuta, e fixa pena de 2 a 6 anos de prisão.
Guerrilha do Araguaia
A Corte IDH responsabilizou em 2010 o Estado brasileiro por violações a direitos humanos feitas no episódio da Guerrilha do Araguaia no período da Ditadura Civil-Militar. Foram levadas em conta a perseguição e o desaparecimento forçado de integrantes do movimento de resistência política ao regime, na década de 1970.
Na ocasião, a Corte também declarou que a Lei da Anistia, de 1979, é incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
A guerrilha havia se instalado em regiões do rio Araguaia, no Sudeste do Pará e norte de Tocantins. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, os primeiros enfrentamentos entre guerrilheiros e as forças militares foram registradas em 1972, embora os centros de informação do governo já estivessem investigando atividades no local desde meados de 1969.
O número de vítimas não é consensual, mas estima-se que foram 69 guerrilheiros mortos ou desaparecidos, além de camponeses da região, que também foram alvos da repressão.