Quais medicamentos e terapias devem ser garantidos aos pacientes do SUS e aos beneficiários de planos de saúde? O debate ganhou novos rumos a partir de 2022, quando duas leis tornaram mais ágeis as regras de incorporação na saúde suplementar, trazendo alívio a associações de pacientes, preocupação para as operadoras e, mais recentemente, desencadeando pressões por novas mudanças.
Naquele ano, a lista mínima de produtos oferecidos pela saúde suplementar, o rol de procedimentos, passou a ser vinculada às aprovações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). Com a mudança, uma tecnologia aprovada para o SUS deve, num prazo de até 180 dias, passar a ser ofertada pelos planos de saúde. Outra mudança determinada pelo Legislativo formalizou caráter exemplificativo do rol: a lista de produtos que devem ser ofertados não se encerra nos itens descritos; ela é exemplificativa, desde que observadas algumas condições.
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As empresas de planos de saúde garantem que o novo formato torna imprevisíveis os custos em saúde, sobretudo com o avanço – e encarecimento – das tecnologias. Um exemplo é o tratamento para distrofia muscular de Duchenne. Aprovada recentemente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a terapia para um paciente custa R$ 17 milhões. O argumento do setor privado é que, caso uma empresa pequena tenha de pagar um tratamento
como esse, quebra.
Prazos descumpridos
Se por um lado as operadoras se queixam da imprevisibilidade da incorporação, por outro, pacientes do SUS amargam a espera de medicamentos que, muitas vezes, já têm a incorporação definida pelo Ministério da Saúde, mas não estão disponíveis para serem administrados.
Dados obtidos pelo JOTA via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que um a cada quatro medicamentos incorporados pelo SUS entre 2019 e 2024 não estão, na prática, disponíveis à população. Dos 143 com parecer favorável da Conitec, 36 ainda aguardam processo de compra a ser finalizado. E mais: o prazo de 180 dias determinado em lei para que o medicamento ou tecnologia incorporada esteja de fato disponível, frequentemente, não é cumprido. A média de tempo entre a incorporação e a efetiva disponibilização à população, foi 195 dias, de acordo com os dados. Quando retirados do cálculo os casos extremos – em que a distribuição ocorre em um prazo muito maior ou muito menor que o comum – a média é ainda mais alta: passam 235 dias até que se dê, pelo menos, início aos procedimentos para distribuição.
Em nota enviada ao JOTA, o Ministério da Saúde não comentou os atrasos no processo de incorporação e distribuição das tecnologias incorporadas. A pasta diz que “cumpre rigorosamente as etapas legais que asseguram a qualidade do atendimento e o uso responsável dos recursos públicos”.
O assunto na Justiça
Não há, neste tema, um lado satisfeito. Prova disso é o grande número de ações na Justiça solicitando medicamentos. O Ministério da Saúde, por exemplo, gastou R$ 2,5 bilhões para custear remédios alvo de ações na Justiça em 2024. Na Saúde Suplementar, o fenômeno se repete. Também no ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) rastreou 298 mil novos processos nesse escopo – um aumento de 28% em relação a 2023. Desses, 155 mil são relacionados a tratamento médico-hospitalar e 48 mil a medicamentos.
“É compreensível que o juiz, na ponta, pense no caso imediato”, afirma o senador Humberto Costa (PT-PE), ministro da Saúde no primeiro governo Lula, de 2003 a 2005. O senador, contudo, observa que muitos dos pedidos têm como objeto medicamentos que não foram incorporados ao SUS, mas somente aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Por mais que se entenda a ansiedade de um familiar da pessoa doente, não podemos nos esquecer que tal pedido pode desorganizar todo o planejamento que foi feito na assistência farmacêutica”, completa.
O volume de ações na Justiça que buscam receber medicamentos incorporados mas indisponíveis ou, ainda, tecnologias que não tiveram seu pedido de incorporação apreciados, foi alvo de análise no Supremo Tribunal Federal (STF). No ano passado, dois temas de repercussão geral foram avaliados pelos ministros. O de número 6 tratou da obrigação do Estado de fornecer medicamento de alto custo para portador de doença grave e o 1.234 definiu a responsabilidade de União, estados e municípios em custear drogas judicializadas.
Os julgamentos resultaram na Súmula Vinculante 60, que fixa a competência da União para custear tratamentos com valor igual ou superior a 210 salários mínimos; e na Súmula Vinculante 61, com critérios a serem analisados pela Justiça para que o paciente deva receber o medicamento aprovado na Anvisa mas não incorporado no SUS. Entre os requisitos, estão prova de que houve a negativa do fornecimento, além da demonstração de que o tratamento é imprescindível para o paciente.
“As decisões do Supremo representam um grande avanço”, avalia Humberto Costa. “Pois trazem uma organização, regras mais claras sobre quais critérios devem ser avaliados pelos juízes de 1ª instância, mais próximos dos autores dos pedidos.”