Em guerra com Israel desde o último dia 13, o Irã é o país mais populoso do Oriente Médio. São quase 90 milhões de habitantes em um território que tem aproximadamente o tamanho do estado do Amazonas. Também é, certamente, o país com a indústria automotiva mais peculiar do mundo.
O Irã está sob sanções econômicas dos Estados Unidos desde Revolução Iraniana de 1979 – e que foram ampliadas sucessivas vezes a partir de 1995. Sua indústria automotiva faz o que pode para tentar disfarçar que boa parte dos projetos de carros, picapes e caminhões que fabrica parou no tempo décadas atrás.

Um retrato disso é o Zamyad Z24, que nada mais é do que o o Nissan Junior, um antepassado da Frontier que foi fabricado no Japão entre 1970 e 1982. A produção no Irã também começou em 1970, mas continua até hoje.
Até existe uma versão com visual menos datado – mais ao estilo dos anos 1990 – chamada Zamyad Shooka. Mas o visual original de 55 anos atrás segue em produção e os motores são os mesmos: ou o 2.4 a gasolina de 107 cv ou um 2.8 diesel de 93 cv.

A IKCO (de “Iran Khodro”) é a maior e mais tradicional fabricante de carros do Irã e que ainda hoje fabrica velhos carros da. O mais inusitado é que essa relação começou por causa do Paykan, um Rootes Arrow/Hillman Hunter britânico que passou a ser montado no Irã sob licença em 1967. A produção local (exceto do motor) começou em meados dos anos 1970.

A Rootes era o braço britânico da Chrysler, que acabou sendo comprada pela Peugeot após quebrar, em 1978. Um ano depois, a produção do Hillman Hunter foi encerrada na Irlanda e todo o ferramental do motor foi transferido para o Irã, onde seguiu em produção até 2005. Àquela altura, porém, a Khodro já fabricava o Peugeot 405, o sucessor natural do Paykan.

Aquele mesmo Peugeot 405 que o mundo conheceu começou a ser fabricado no Irã em 1992 e só saiu de linha em 2024, com o visual original. O mais bizarro é que nesse meio tempo existiram os Peugeot RD e ROA, que eram nada mais do que o velho Paykan com uma carroceria copiada do 405. Ou seja, era um 405 com tração traseira e motor Hillman dos anos 1960. E essa arquitetura deu origem até mesmo a uma picape, a Arisun, que saiu de linha em 2021.

O Peugeot 405 segue vivo até hoje no Irã, mas com outras carrocerias. É o caso do IKCO Dena Plus e do IKCO Soren Plus, que têm carrocerias mais modernas mas ainda usam a plataforma do Peugeot lançado há 38 anos.

Os motores usados pela IKCO até hoje, inclusive, são versões atualizadas do velho 1.6 TU5 da Peugeot. O aspirado tem 113 cv e o turbo tem 163 cv e ambos podem usar GNV. Essa atualização foi feita em parceria com uma empresa alemã e esteve focada em aumentar a eficiência e reduzir as emissões dos carros. Foi este o motivo, aliás, para o governo do Irã ter forçado a IKCO a encerrar a produção do Paykan e dos seus derivados nos últimos anos.

Outro Peugeot que ganhou sobrevida no Irã foi o 206 Sedan, hoje vendido como IKCO Runna com visual inspirado no Peugeot 301.

A IKCO, ou melhor, a Iran Khodro Diesel também mantém vivos os Mercedes-Benz AGL, lançados na Alemanha em 1959. É um nome menos conhecido no Brasil, onde eram identificados como Mercedes L-1111 e L-1113, mas também tinham outras versões com mais força. O nome mais famoso, porém, é o apelido de Mercedes Muriçoca.

Esses caminhões, que no Brasil saíram de linha em 1989, seguem em produção no Irã ainda com o primeiro design – com faróis redondos. As versões vendidas no mercado persa são as 1924 e 2624, sempre com o motor OM-355 LA de cinco cilindros. Como manter um projeto antigo por décadas a fio, trocaram bancos e volante e ainda instalaram o quadro de instrumentos dos últimos AGL brasileiros, e ainda instalaram pré-aquecimento do ar do motor, freios ABS e direção hidráulica.

O próprio Peugeot 301 chegou a ser fabricado no Irã após a assinatura do tratado de não proliferação de armas nucleares. O termo levou à criação da joint-venture IKAP (Iran Khodro Automobile Peugeot), que previa a produção local do 301, do 208 e também do 2008.

Após o retorno das sanções, em 2018, a Peugeot deixou o negócio e a IKCO transformou o 301 no sedã Tara e o 2008 no Reera, que só foi lançado em 2024 com motor 1.7 turbo de 160 cv com câmbio automático de seis marchas – mas ainda existe um três-cilindros 1.3 turbo combinado com um dupla embreagem de sete marchas, ambos chineses.

Outra grande fabricante persa é a Saipa, que até hoje vende carros baseados no Kia Pride de 1986. É o caso do hatch Saipa Quik e do sedã Saina, além do aventureiro Atlas e do sedã renovado Saipa Sahand. O motor é um 1.5 de 92 cv – que até pode ser combinado a um câmbio CVT.

A Saipa também é responsável por trazer à vida novamente a primeira geração do Renault Logan. As mesmas sanções que impediram os negócios da IKCO obrigaram a Saipa a interromper a produção do chamado Tondar 90 em 2019. Agora, modificaram todo o design do primeiro Logan e estão relançando ele como Saipa Cadila, com motores importados da Rússia – também baseados em projetos Renault feitos por lá antes das sanções dos EUA.

