A juíza Adverci Rates Mendes de Abreu da 20ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu, por meio de um mandado de segurança, nesta segunda-feira (25/8) o despacho da Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que cessava os efeitos da Moratória da Soja. A decisão do Cade previa uma multa diária de R$ 250 mil em caso de descumprimento.
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Para a juíza, em uma primeira análise, a desarticulação da Moratória da Soja, “por meio de decisão monocrática, desacompanhada de debate colegiado e sem enfrentamento concreto dos argumentos técnicos oferecidos no procedimento originário”, foi desproporcional e prematura.
Segundo a magistrada, a Moratória da Soja, vigente desde 2006, possui natureza voluntária, é integrada por diversos entes públicos e privados, e vem sendo reconhecida como instrumento de fomento ao desenvolvimento sustentável. A Moratória da Soja é um acordo setorial que visa impedir a comercialização de soja oriunda de áreas desmatadas na floresta amazônica.
O mandado de segurança foi impetrado pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). A entidade sustenta que a decisão administrativa, de natureza monocrática, foi proferida sem a devida apreciação das manifestações técnicas e jurídicas apresentadas, com afronta ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal.
Para Guilheme Coelho, um dos advogados que representa a Abiove, ao apontar que não houve uma análise técnica e direito ao contraditório, a decisão judicial pressiona o Cade a levar o tema ao plenário ou a reconhecer que “há um viés equivocado em relação à moratória”.
“A decisão lança um olhar sobre a falta de fundamentação do despacho do Cade e questiona como uma monocrática pode por fim a uma política que dura quase 20 anos com participação não apenas de setores privados, mas do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama”, disse Coelho, que integra o escritório Bermudes Advogados.
Coelho destaca ainda que a decisão judicial aponta que esse tipo de arranjo é uma iniciativa de esforço coletivo, não pode ser comparada a um cartel.
Decisão do Cade
Em 18 de agosto, a Superintendência-Geral do Cade suspendeu preventivamente a Moratória da Soja e determinou a instauração de processo administrativo para apurar eventual prática de cartelização pelas tradings e demais signatárias do programa. O despacho acolheu Nota Técnica que apontou indícios de atuação conjunta para restringir a livre concorrência ao padronizar critérios para a compra de grãos.
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A decisão também suspendia a coleta e compartilhamento conjunto de informações sobre a comercialização de soja, auditorias conduzidas de forma coletiva para verificar conformidade ambiental dos fornecedores e publicação de materiais que representem atuação conjunta das signatárias. Entretanto, afirmava que as empresas ficavam livres para adotar procedimentos individuais de monitoramento socioambiental.
Em nota, ao suspender a medida, o Cade afirmou que o Grupo de Trabalho da Soja, criado pelas empresas “constitui um acordo anti competitivo entre concorrentes que prejudicam a exportação de soja”. A medida preventiva, ressalta o Cade, é um instrumento previsto na legislação que pode ser adotado quando houver indício ou fundado receio de que as condutas investigadas causem ou possam causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou que torne ineficaz o resultado do processo.
Casos de restrição à moratória da soja no STF
Há ao menos quatro ações no Supremo Tribunal Federal (STF) relacionadas à moratória da soja. Todas têm teor semelhante: questionam leis estaduais que restringem a concessão de incentivos fiscais e de terrenos públicos a empresas que possuam políticas internas ou participem de acordos que imponham restrições à expansão da atividade agropecuária.
Duas dessas ações estão em julgamento no plenário virtual. A ADI 7774, de relatoria do ministro Flávio Dino, contesta lei de Mato Grosso. Inicialmente, Dino suspendeu integralmente a eficácia da norma; depois, reconsiderou parte da decisão e restabeleceu o dispositivo que veda incentivos a empresas signatárias de acordos como a moratória da soja, mas apenas a partir de 2026, concedendo prazo de adaptação. O ministro ressaltou que se trata de um acordo privado, e que o poder público não é obrigado a moldar sua política fiscal para favorecê-lo. Até o momento, Dino foi acompanhado pelo ministro Alexandre de Moraes, enquanto Dias Toffoli abriu divergência.
A divergência de Toffoli aparece na ADI 7775, também em julgamento no plenário virtual, que questiona a lei de Rondônia. Relator da ação, Toffoli votou pela procedência parcial, mas manteve justamente a parte que atinge a moratória da soja. Para ele, o estado pode restringir a concessão de benefícios fiscais. O ministro reconheceu que a moratória trouxe efeitos ambientais positivos, mas também impactos econômicos negativos para médios, pequenos e microprodutores. Os dois julgamentos seguem até 29/8.
Além dessas, tramitam ainda a ADI 7863, que questiona lei do Tocantins e está sob relatoria do ministro Luiz Fux, e a ADI 7823, contra lei do Maranhão, de relatoria do ministro Edson Fachin.