Faz tempo que o Brasil não tem uma fabricante de automóveis realmente nacional. Muitos tentaram criar seus próprios veículos e a tentativa mais atual é de Flávio Figueiredo Assis, que fundou a Lecar.
A Lecar ainda não tem nenhum carro à venda e mexeu no seu planejamento diversas vezes. Primeiro, anunciou que teria um carro elétrico, revelado em 2024. Meses depois, mudou o plano para um automóvel híbrido, batizado como Lecar 459 e que está mais encaminhado, a ponto de ter um mocape pronto e exibido na feira Eletrolar Show em São Paulo.
A apresentação do modelo, como o próprio executivo admitiu em uma conversa com QUATRO RODAS, é uma forma de provar que o projeto, de fato, existe e colocar a empresa no radar. Isso é ainda mais importante em um momento de incertezas sobre a fabricante – algumas geradas por ela mesma, ao realizar anúncios que foram alterados pouco meses depois.
Neste momento, a Lecar acredita estar com o seu projeto mais direcionado. “Foram cinco anos desenvolvendo o carro até este momento. Já fizemos parcerias com empresas nacionais para fornecer motor, suspensão, pneus, o sistema híbrido e mais”, explica Assis. “O design do 459 será este e faremos apenas pequenos ajustes baseados nos comentários do público”, completa.
De fato, o 459 já parece mais com um carro de produção, ainda mais comparado com a primeira proposta mostrada em 2024 e que foi descartada pouco tempo depois. Qualquer semelhança com o Tesla Model Y não é mera coincidência e o dono da empresa relata que os engenheiros desmontaram o seu Tesla de uso particular para analisar cada aspecto e entender como criar o Lecar de forma semelhante.
A finalização do mocape marca o início da montagem de algumas unidades para iniciar o processo de homologação e certificação, além de realizar os ajustes reais do carro. Assis diz que, nos próximos meses, começaremos a ver alguns protótipos nas ruas e sem camuflagem, uma tática para fazer com que as pessoas se interessem pela marca e a acompanhe – ou até, quem sabe, até realizarem a reserva no site oficial.
Para ter mais volume e não lidar com a infraestrutura de recarga, o Lecar 459 virou um elétrico com autonomia estendida, graças a um motor 1.0 turbo flex de 122 cv produzido por ninguém menos que a Horse, a joint venture da Renault e da chinesa Geely. Ou seja, é o mesmo propulsor usado pelo Renault Kardian e a nova geração do Nissan Kicks. Mas ele não moverá o Lecar.
A potência desse motor pode ser menor, mas não é um problema, pois funciona exclusivamente como gerador de energia para uma bateria de 18,4 kWh. Quem moverá o carro será um motor elétrico de 163 cv e 26,3 kgfm, este fornecido pela WEG e entregando a força para as rodas traseiras. Na prática, o funcionamento é igual ao do e-Power da Nissan e a Lecar promete uma autonomia combinada de 1.000 km usando etanol.
Os acordos com empresas como Horse e WEG são de longo prazo, a ponto de que este motor estará em mais carros da Lecar. A ideia é aproveitar não só a mecânica em todos os novos modelos, como também a plataforma e muitos dos componentes.
A empresa já mostrou imagens da Lecar Campo, uma picape compacta antes conhecida como Cyber Campo (novamente, uma inspiração na Tesla) e ainda existe o projeto de um SUV com aparência mais robusta chamado Tático, este último ainda em desenvolvimento.
Falando na picape, ela é outra aposta da Lecar para conseguir um alto volume de vendas logo de cara. Mira exatamente na Fiat Strada, líder não apenas do seu segmento como também das vendas de automóveis e comerciais leves. O site oficial afirma que mede 4,50 metros, apenas 3 cm mais do que a Strada e pretende ser a primeira picape híbrida nacional.
Assis diz que a caminhonete será apresentada nas próximas semanas, durante um evento voltado para o agronegócio, com uma evolução do design mostrado no site, ainda uma projeção inicial.
Todos estes planos são interessantes, mas esbarram nas dúvidas sobre a produção nacional. Em entrevista ao portal G1, em novembro passado, o executivo disse que iria acelerar o lançamento montando os carros na China por contrato. Seria uma forma de começar a operação enquanto a futura fábrica em Sooretama (ES) está em construção.
Hoje, este plano foi descartado completamente e tanto o 459 quanto a Campo serão feitos no Brasil a partir de agosto de 2026, promete o proprietário da empresa. A explicação seria que os chineses “tentaram passar a perna” na Lecar e a negociação foi cancelada. Desde então, o foco retornou para montar a rede de fornecedores e viabilizar a produção nacional o quanto antes.
Questionado sobre a fábrica, Assis disse que estão trabalhando na construção dos prédios, mas não deu mais detalhes. As imagens do Google Maps já mostram alguns galpões sendo erguidos, mas ainda em uma fase bem inicial.
Nos bastidores, QUATRO RODAS ouviu de outras pessoas na Lecar de que há uma negociação por uma “fábrica já existente no interior paulista”. Nenhuma das fontes quis cravar qual é essa fábrica, mas só existe uma fábrica que poderia ser negociada: a da Toyota em Indaiatuba, que hoje faz o Corolla na versão sedã e que será fechada em 2026. Fontes ligadas à marca japonesa afirmam desconhecer completamente qualquer negociação.
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Não seria a primeira vez que a Lecar mostra interesse em pegar uma fábrica já construída. No início de 2024, meses após a BYD anunciar um investimento de R$ 3 bilhões para adquirir e modernizar o antigo complexo da Ford em Camaçari (BA), a Lecar disse que entraria na disputa com uma outra proposta, querendo usar os maquinários que eram da Ford – algo impossível, considerando que a empresa retirou tudo o que tinha e deixou apenas os galpões vazios. No final, a BYD ficou com o local e a Lecar disse que desistiu para “não atrasar o seu projeto”.
Para quem acredita no projeto, é possível encomendar tanto o Lecar 459 quanto a picape Campo no site oficial, ambos por R$ 159.300, desde que pague uma reserva de R$ 1.593 para que este preço quando o carro enfim começar a ser entregue em 2026. E este valor obviamente irá subir em um ano. Quando abriu as reservas em setembro de 2024, o preço sugerido do Lecar 459 era de R$ 147.900.
O dono da marca afirma que já mais de 4.500 reservas feitas e diz que há inclusive um pedido de fora do país, feito por um casal de clientes na Alemanha, que quer levar o 459 para lá e mostrar que o Brasil também produz carros próprios.
