A aprovação, em 23 de outubro, da Lei Europeia de Monitoramento e Resiliência do Solo marca um ponto de inflexão, pois a saúde do solo deixa de ser um assunto apenas agronômico para passar a fazer parte do cálculo de risco daqueles que financiam, asseguram e compram alimentos, ração, bioenergia e fibras.
A lógica é direta: se o solo se degrada, a produtividade oscila, o custo dos insumos sobe, a vulnerabilidade climática aumenta — e o custo do capital acompanha. Se o solo melhora, o inverso acontece.
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O que a Europa está fazendo é padronizar indicadores, criar relatórios comparáveis e, com isso, abrir caminho para a precificação de riscos e a mobilização de capital em larga escala para incentivar a restauração. Tal medida se justifica tanto do ponto de vista ambiental quanto do econômico.
Os sistemas alimentares já ultrapassaram cinco limites planetários: (i) mudança no uso da terra, sobretudo pela conversão de ecossistemas para a agricultura e a pecuária; (ii) integridade da biosfera, por meio da perda de biodiversidade associada à fragmentação de habitats e às monoculturas; (iii) nitrogênio e (iv) fósforo, excedidos pelo uso de fertilizantes sintéticos e manejo ineficiente de dejetos, que geram eutrofização e óxidos de nitrogênio; e (v) água doce (componentes “verde” e “azul”), em razão da irrigação, da compactação/selamento do solo e das alterações hidrológicas, que degradam a disponibilidade e a qualidade da água.
Nos outros quatro limites também exercem pressões relevantes: em relação às mudanças climáticas, são responsáveis por uma parcela substancial das emissões de CO₂ (pelo desmatamento e pela produção de energia), de CH₄ (entérico e de arrozais) e de N₂O (dos solos); em relação à acidificação dos oceanos, afetam indiretamente por meio das emissões de CO₂; em relação à carga de aerossóis, geram material particulado por meio de queimadas; e, em relação às novas moléculas (agrotóxicos, plásticos e antibióticos), aumentam a carga química e os riscos ecotoxicológicos.
Para adequar a produção, os custos anuais esperados estão entre US$ 200 e 500 bilhões, mas os benefícios econômicos superam US$ 5 trilhões por ano (dietas saudáveis, maior produtividade e redução de perdas).
Isso ressalta a necessidade e a urgência de medidas como a Lei de Monitoramento de Solo, que prevê instrumentos financeiros e regulatórios que internalizam o risco de degradação do solo em crédito, seguros e compras públicas. É necessário também um plano jurídico-institucional, padrões nacionais de indicadores de solo, monitoramento, reporte e verificação integrados à rastreabilidade, como condição de competitividade e de acesso a finanças climáticas.
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Na América Latina e no Caribe, as tendências de degradação do solo também são alarmantes: apenas 34% dos solos estão saudáveis, o que tem implicações econômicas e sociais ainda maiores, já que a economia da região depende muito mais da produção agropecuária do que a da Europa.
Como converter a saúde do solo em produtos financeiros? Há várias possibilidades: (1) crédito rural com bônus de juros condicionado à melhoria anual dos indicadores do solo; (2) seguros paramétricos com franquias e prêmios calibrados de acordo com a classe de risco do solo e o uso do solo; (3) CRAs/LCAs verdes vinculadas a metas auditadas de saúde do solo; e (4) fundos de transição para a restauração de pastagens, com desembolso por etapa comprovada.
O Decreto 11.815/2023 prevê a restauração em dez anos de 40 milhões de ha, ensaiando para uma futura lei abrangente de qualidade de solo brasileira. Há um grande passivo recuperável, o retorno produtivo é rápido, a rastreabilidade está em avanço e a demanda internacional é sensível a critérios ambientais. Há custos de adaptação e necessidade de capacitação técnica.
No entanto, não agir já é caro, resulta em spreads maiores, sinistralidade elevada em safras extremas, descontos comerciais por incerteza de origem e atributos, além do risco de exclusão em mercados qualificados como os que começam a exigir comprovação de boas práticas.
Um solo saudável não é filantropia ambiental, mas sim gestão de risco e produtividade. A Europa apenas iniciou a onda; cabe a nós enfrentá-la e surfá-la primeiro.
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Referências
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