O possível descumprimento de medidas cautelares pelo ex‑presidente Jair Bolsonaro no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) reabre um cenário de incertezas jurídicas e políticas. Para antecipar seus desdobramentos, é pertinente retomar dois precedentes emblemáticos sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes no STF – os casos Roberto Jefferson e Daniel Silveira – que envolvem figuras próximas ao ex-presidente, com condutas similares, como ataques às instituições democráticas e o uso instrumental das redes sociais.
Em decisão recente, o ministro acolheu pedido da Polícia Federal, reiterado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), para impor medidas cautelares contra Bolsonaro no Inquérito (Inq) 4995/DF. A investigação trata de possível articulação com autoridades estrangeiras para aplicar sanções contra agentes públicos brasileiros.
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Paralelamente, Bolsonaro é réu na Ação Penal 2668, que apura tentativa de golpe de Estado e crimes como coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal), obstrução à investigação (artigo 2º, §1º, da Lei 12.850/2013) e abolição violenta do Estado Democrático de Direito (artigo 359-L do Código Penal).
No pedido de instauração do Inq 4995/DF, a PGR destacou que as manifestações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e de seu pai ocorrem principalmente por meio de postagens nas redes sociais (como a plataforma X) e são amplamente replicadas em outros meios de comunicação.
O uso recorrente do idioma inglês foi interpretado como um apelo à audiência internacional, especificamente dos Estados Unidos. A PGR reuniu capturas de tela com mensagens reiteradas de Eduardo e Jair direcionadas ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e com provocações contra instituições brasileiras.
Diante de risco de dano grave ou de difícil reparação caso pai e filho mantenham tais condutas, foram requeridas medidas cautelares de monitoramento eletrônico e de proibição de contato com embaixadas. Adicionalmente, o ministro Moraes determinou a proibição de uso de redes sociais, direta ou indiretamente, inclusive por meio de terceiros. Em 21 de julho de 2025, a 1ª Turma do STF referendou as medidas cautelares impostas na Petição 14129, com divergência do ministro Luiz Fux.
O escopo das medidas adotadas contra Bolsonaro ecoa decisões anteriores do STF, como é o caso do ex-deputado federal Roberto Jefferson. Ele foi investigado no inquérito das fake news, sob acusação de disseminar desinformação sobre temas políticos em suas redes sociais, em especial no X, além de ameaçar ministros do STF.
Desde maio de 2025, o político cumpre prisão domiciliar em caráter humanitário, decorrente de problemas graves de saúde, idade avançada (71 anos) e necessidade de tratamento médico. Mantiveram-se, contudo, diversas medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de acesso às redes sociais.
Em dezembro de 2024, Jefferson foi condenado pelo STF a 9 anos, 1 mês e 5 dias de prisão, pelos crimes de incitação ao crime, atentado contra o exercício dos Poderes, calúnia e homofobia. A AP 2394 foi inicialmente fundamentada em dispositivos da revogada Lei de Segurança Nacional (artigos 18 e 23, IV, da Lei 7.170/83), cuja função, segundo Moraes, foi incorporada ao atual artigo 359-L do CP.
Diante de reiteradas violações das medidas cautelares – incluindo entrevistas não autorizadas, disseminação de desinformação contra o STF e criação de perfis alternativos no X – sua prisão foi restabelecida em outubro de 2022.
Em diversas ocasiões essas medidas foram descumpridas, como ao conceder entrevista ao canal no YouTube da Jovem Pan News, ou ao replicar notícias fraudulentas contra o STF, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e seus membros. Ressalta-se que os perfis criados continham o nome verdadeiro de Jefferson, isto é, não foram utilizados nomes falsos.
Outro caso emblemático que consolidou a atuação do STF frente a ataques institucionais por agentes políticos foi o de Daniel Silveira. O ex-deputado federal foi preso em flagrante em 16 de fevereiro de 2021 após divulgar um vídeo ofensivo e com ameaças contra ministros do STF e em defesa do Ato Institucional 5. Por meio da rede social X, publicou a chegada da Polícia Federal em sua casa, e, posteriormente, teria publicado no YouTube um novo vídeo durante a ação policial. Imagens e vídeos adicionais foram compartilhados por aliados do parlamentar.
Em abril de 2022, Silveira foi condenado a 8 anos e 9 meses de reclusão em regime fechado pelos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito (artigo 359-L do CP) e coação no curso do processo (artigos 344 do CP). O inquérito foi originalmente instaurado com base no artigo 18 da revogada Lei de Segurança Nacional.
O ex-deputado cumpre atualmente regime semiaberto, sem autorização para saídas, após reiterados descumprimentos das condições de livramento condicional. Em dezembro de 2024, Silveira teria retornado à residência após o horário permitido, e violado a vedação de sair aos fins de semanas e feriados. Outra condição imposta envolvia a proibição de utilizar redes sociais.
Em junho de 2021, a prisão foi substituída por medidas cautelares, incluindo a proibição de contato com outros investigados nos Inq. 4781/DF e 4874, bem como de utilizar redes sociais, como indicou o relator Moraes:
Posteriormente, determinou-se também a proibição de conceder qualquer espécie de entrevista, independente do meio de veiculação (salvo expressa autorização judicial).
A análise comparativa dos casos Jefferson, Silveira e Bolsonaro revela um padrão consistente de atuação do STF, sob relatoria do ministro Moraes, diante de situações que envolvam ameaças ao Estado Democrático de Direito – com destaque para o uso estratégico das redes sociais como meio de propagação dessas condutas.
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Observa-se nesses episódios um uso instrumental dessas plataformas por figuras políticas não apenas para a prática dos crimes imputados, mas também como ferramenta de obstrução ao regular andamento de investigações e ações penais. As especificidades das medidas cautelares adotadas refletem tentativas frequentes dos investigados de contornar as restrições impostas.
Nos casos de Jefferson e Silveira, as violações foram recorrentes, exigindo sucessivas adaptações na formulação das cautelares, questionando-se até que ponto seria viável a continuidade no uso desse recurso. Chama atenção, ainda, a facilidade com que redes sociais e veículos de mídia permitem reiterar essas condutas, evidenciando um cenário de baixa colaboração desses atores com o STF – aspecto que projeta um desafio adicional no caso Bolsonaro.
Esses precedentes oferecem não apenas parâmetros jurídicos concretos para orientar os desdobramentos futuros, mas também evidenciam a centralidade das redes sociais no exercício de controle judicial e da coibição de condutas antidemocráticas.