Após o esperado cara a cara entre Lula e Trump na Malásia, não está claro quais serão os próximos passos da negociação Brasil-EUA. As equipes ainda discutem o formato de uma próxima reunião que pode acontecer em Washington na semana que vem. Até aqui, o recado é que os canais estariam reabertos, ainda que não se saiba em que bases se dará a negociação. Mas é agora que começa a fase de barganha em uma crise que já tem impactos comerciais e políticos mexendo nos tabuleiros nacional e estadual.
A narrativa será determinante em 2026 no grande quadro e nas articulações regionais. As pesquisas agregadas pelo JOTA mostram Lula com desaprovação ligeiramente maior que a aprovação: 48% contra 46% nesta semana. Mas a tendência importa mais que o número instantâneo. Desde maio, a aprovação sobe gradualmente. A partir de julho, mês do anúncio do tarifaço, a recuperação acelera.
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A leitura: o impacto econômico das tarifas não virou desgaste político. O eleitor reconhece o risco das medidas, mas também enxerga liderança. A sabedoria frequentemente atribuída a Tzu ensina que a melhor defesa é um bom ataque. Pois bem, Lula enfrentou Trump, reagiu às tarifas, resistiu à interferência sobre o STF e buscou alternativas para conter os efeitos econômicos. Soberania mais contenção. A fórmula funciona mesmo sob pressão econômica e perdas assimétricas nas exportações.
A dinâmica observada no Brasil não é isolada. De México à Ucrânia, líderes que se posicionaram contra ameaças externas ganharam alívio dos eleitores. Até Emmanuel Macron, impopular na França, conseguiu algum fôlego ao resistir às tarifas e questionar à retirada de apoio militar americano à Ucrânia.
Qual foi o aprendizado político? Quem disse “não” em vez de “beijar o anel” foi recompensado. Os eleitores valorizam liderança e defesa dos interesses nacionais. Ninguém gosta de ver um valentão tentando impor sua vontade e destruir o sistema.
Mas e os estados mais afetados?
Nos levantamentos estaduais, o quadro é mais difuso —e, justamente por isso, mais revelador. Onde Lula tinha saldo negativo, diminuiu. Onde era positivo, aumentou. O impacto das tarifas não freou a recuperação. Em algumas unidades da federação, até reforçou, ao reposicionar o debate econômico pela ótica da soberania e da defesa da democracia.
A associação entre o percentual das exportações afetadas e os índices de aprovação e desaprovação do governo, comparando o fim do primeiro semestre com o cenário atual, desenham um padrão contraintuitivo, mas consistente. A aprovação subiu em todas as regiões, média de +5,8 pontos. Sudeste e Centro-Oeste, +4 pontos. Nordeste liderou com +9 pontos. Sul e Norte no meio, +6 pontos cada.
Agora pela perspectiva da desaprovação presidencial, as regiões mais afetadas pelas tarifas foram as que mais reduziram a rejeição. No Sudeste, com 14% das exportações impactadas, a desaprovação caiu 4 pontos. O Nordeste, com impacto de 12% nas exportações, teve recuo de 8 pontos na desaprovação. No Sul, 9,7% afetadas, queda de 6 pontos. Norte, 4,8%, recuo de 3 pontos. O Centro-Oeste, menos exposto com 2,8%, manteve-se estável.
No conjunto das regiões, a desaprovação média caiu 4 pontos. O efeito político das tarifas inverteu completamente a lógica econômica esperada. Como resultado, onde doeu mais, Lula ganhou mais.
Açúcar e etanol ilustram desafio
A reação por região ou por estados pode ter impacto direto na barganha. Os EUA já tinham dito que o etanol é uma de suas prioridades. Eles insistem que o Brasil deve retirar a tarifa de 18% que aplica sobre o produto americano, em retribuição ao fato de Washington impor, em condições normais, foram do tarifaço, 2,5% sobre o etanol brasileiro.
Mas a conta não é simples assim. O Brasil até pode ceder neste quesito. A indústria é contra em boa medida. Mas não é só essa a restrição enfrentada pelo governo. Retirar ou reduzir muito a tarifa significa impactar diretamente a produção no Nordeste, a região que mais emprega no setor do etanol, reduto importante de eleitores e caciques políticos que podem ajudar o governo.
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O que os negociadores devem propor é uma contrapartida para o açúcar, que está na mesma cadeia. Os americanos cobram, desde antes do tarifaço, 80% sobre o açúcar brasileiro.
São Paulo, de Tarcísio de Freitas, é de longe o estado mais afetado em volume de exportações para os EUA. Cerca de R$ 11,7 bilhões de suas R$ 13,6 bilhões em vendas para o país foram afetadas. São 86,7% do total. Em Minas Gerais, o segundo mais afetado, o percentual vai a 94% do que exporta para os EUA. Rondônia, Paraíba, Piauí e Tocantins vendem menos para os americanos em volume do que esses dois, mas tiveram 100% do que mandam para os EUA afetados.
Tudo a partir de agora será calculado de maneira milimétrica. O governo viu que a narrativa do tarifaço para dentro pode ajudar na campanha. Aliás, essa é tecla em que insistem fontes na Esplanada. A estratégia é não perdê-la agora. É tentar estender a sua capacidade de ajudar na retórica pelo próximo ano. Até a eleição.

