Na semana em que a crise entre Brasil e Estados Unidos escalou com a decisão do ministro Flavio Dino sobre a aplicação da Lei Magnitsky no Brasil, o governo Lula mira a eleição de 2026 ao tentar equilibrar os ganhos políticos de curto prazo, que se materializam nas pesquisas, com os riscos econômicos ao longo do tempo.
Se os ataques de Donald Trump fazem parte do cardápio já esperado do líder americano, o governo brasileiro não imaginava que as coisas transcorressem de maneira tão brusca. Os canais de negociação seguem sem funcionar.
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Há um jogo de empurra no qual o Planalto não vê espaço para dialogar com a Casa Branca, enquanto a oposição e outros entendidos no governo Trump apontam que a falta de conversa ocorre por uma combinação de má vontade do Planalto com os EUA e falta de iniciativa de Lula em buscar o americano para conversar e oferecer algo para negociar.
Desafio de mitigar ou minimizar os riscos econômicos
Seja como for, está claro para o Executivo brasileiro que o desafio agora é administrar o jogo pesado conduzido por Washington para evitar que riscos econômicos impeçam o governo de manter até a eleição os inegáveis ganhos políticos do ataque.
Nesse sentido, o governo anunciou nesta sexta-feira os termos para acesso às linhas de crédito subsidiadas criadas para proteger as empresas atingidas pelo tarifaço. Na entrevista sobre o assunto, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, anunciou linhas adicionais no total de R$ 10 bilhões (além dos R$ 30 bilhões do FGE e das linhas reforçadas pelos aportes em fundos garantidores), que têm como fonte de recursos a captação a LCD.
Novo normal
A expectativa no governo é de que a ameaça americana será o novo normal da administração Lula e vai durar pelo menos até a eleição presidencial, com direito a escalada após a eventual prisão de Jair Bolsonaro.
A estratégia dita “existencial”, segundo fontes palacianas, é garantir eleições livres, competitivas e reconhecidas pela comunidade internacional, além, é claro, da posse, de seja quem for o vencedor nas urnas. Tudo isso sem turbulências e ingerência de fora, ou gente de dentro para atrapalhar o processo. Nem violência.
“Os dois objetivos maiores deste governo eram tirar o país do mapa da fome, o que conseguiu, e agora precisa manter assim, e garantir política de união e reconstrução. A política tem que dialogar com o tempo que a gente vive. Os telefonemas (de Lula a chefes de Estado e de governo nos últimos dias) têm esse sentido. Levar o processo democrático a bom termo em 2026 e ter transição democrática o mais tranquila possível”, afirmou um interlocutor ao JOTA.
Razões para ligar, razões para não ligar
Isso posto, na visão de pelo menos parte do Planalto, Lula segue sem razão para telefonar para Donald Trump. E, no cenário atual, tampouco faz questão de fazê-lo. A avaliação até aqui é a de que as ameaças americanas impuseram condições tão absurdas de negociação ao país, que o governo brasileiro teria justificativa para manter-se firme, com o aval da maior parte da população e dos entes políticos.
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Mas há outras visões, especialmente fora do governo, sobre como a crise deveria estar sendo enfrentada. Interlocutores lembram que, a despeito da idiossincrasia da defesa de Bolsonaro por Donald Trump, o americano é alguém que está sempre olhando o que vale mais para seus interesses políticos. Por isso, seria possível quebrar a condição pró Bolsonaro imposta pelos EUA se o Brasil conseguisse articular algo que, para o presidente americano, aparentasse ter mais valor. Algo parecido já ocorreu, por exemplo, em negociações com o Reino Unido.
Para a Faria Lima, o exemplo do setor produtivo
Há ainda uma terceira visão em Brasília de que o tarifaço já mostrou que o setor privado tem hoje mais acesso à Casa Branca do que o governo. E que esse ponto deve ser levado em conta no caso das sanções relativas à Lei Magnitsky, imposta ao ministro Alexandre de Moraes.
Em outras palavras, assim como diversas empresas, como a Embraer, foram aos Estados Unidos e conseguiram fugir do tarifaço, os bancos e demais companhias do setor financeiro que temem sanções decorrentes da Magnitsky deveriam buscar os americanos para conter eventuais escaladas.
Assim, como a empresa de aeronaves brasileira acessou os três canais que deveriam estar abertos para o Brasil (Departamento de Estado e secretarias de Comércio e do Tesouro), as instituições financeiras, na visão desse grupo, deveriam fazer o mesmo, em vez de sugerirem ideias consideradas “esdrúxulas”, como abertura de contas de ministros do STF em cooperativas.
Tiro pela culatra na direita
No governo Lula, fontes destacam que as sanções financeiras que podem advir da Magnitsky pegariam a Faria Lima, assim como o tarifaço pegou o agro, impactando em cheio a base eleitoral da extrema-direita. Apesar disso, as conversas dos bastidores desse segmento têm sido muito na linha de que, se os Bolsonaros se tornaram ainda mais radioativos, isso não significa que o setor vai migrar para Lula, uma vez que enxerga no Planalto a raiz da falta de diálogo com Trump.
Do ponto de vista prático, dentro do governo a expectativa é de que não haja escalada já para o sistema financeiro, pelo risco de efeito sistêmico, ainda que o Brasil não seja muito relevante em escala mundial. Mas vale lembrar que o Planalto também não esperava os 50% de tarifa e nem o recuo feito em mais de 700 setores, uma vez que está totalmente a reboque e sem canais efetivos de informação.
Discurso “soberanista” e demonstrações pró-multilateralismo
Do lado positivo para o governo, a crise do tarifaço deu ao presidente Lula um mote para aglutinar sua tropa e colocá-la em marcha mais unida para a travessia até 2026.
Ele insiste em dizer que não se dobrará ao americano, que tentaria se impor como “imperador do mundo”. Lula passou a mão no telefone e falou com um terço do PIB mundial, a fim de provar, sobretudo para o público interno, que fala com todo mundo, menos com Trump. E se o presidente dos EUA disse publicamente que o atenderia, não deu sinais de que a conversa poderia se dar em bons termos para o Brasil. Os exemplos de conversas humilhantes de Trump com os presidentes da Ucrânia e da África do Sul servem de alerta para aberturas a diálogo sem garantias de respeito mútuo.
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E o timing também pesa. À frente da presidência temporária do BRICS, o Brasil não pode dar a impressão de que se acovardou, segundo avaliam fontes diplomáticas. Tampouco voltar-se ao grupo como se estivesse buscando uma aliança anti-Ocidente, o que alimentaria os argumentos da administração Trump. Os líderes dos países fundadores do bloco foram os primeiros com quem Lula conversou.
Ali, a pauta era o apoio moral, em boa medida, mas sobretudo a sinalização de que o Brasil vai buscar novos mercados para diversificar o destino de suas exportações. Lula ainda presidirá videoconferência do grupo, cujo PIB hoje é maior do que o do G7, o grupo dos países mais poderosos do mundo.
E o presidente brasileiro também está chamando os chefes de Estado e de governo de nações do G7. Para estes, há o recado da necessidade de se reconhecer o processo eleitoral brasileiro, além da ampliação da pauta comercial, com destaque para o acordo Mercosul-União Europeia. Se na confusão que Trump tem imposto ao mundo esse acordo fica mais importante para os europeus, Lula tem plena consciência de que, politicamente, nesse momento, o entendimento é ainda mais importante para o Brasil.

