Porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em Gaza, Sarah Davis, relatou à CNN que falta de equipamentos leva a cirurgias improvisadas Internacional, Cruz Vermelha, Faixa de Gaza, Guerra de Israel, Israel CNN Brasil
O Hospital de Campanha da Cruz Vermelha em Rafah, na Faixa de Gaza, enfrenta cenas de caos.
“Recebemos mais de 2.000 pacientes feridos por armas de fogo. E isso significa que outros casos são não são priorizados. Isso significa que cirurgias eletivas não podem ser realizadas”, a porta-voz do CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) em Gaza, Sarah Davis, relatou em entrevista à CNN.
Segundo ela, os casos de palestinos feridos enquanto buscavam ajuda humanitária têm sido cada vez mais frequentes desde o dia 27 de maio, quando Israel levantou o bloqueio à entrada de caminhões no território.
“Falei com um garoto de 17 anos outro dia, Hassan, que foi com seu irmão a um centro de distribuição para tentar conseguir comida para a família. E ele foi baleado e ferido, e agora precisa passar por várias cirurgias”, afirmou Sarah. “Também falei com um homem ferido que dizia ‘como vou conseguir ajuda para minha família agora? Como vou conseguir comida se estou ferido?’ Ele está usando fixador externo na perna quebrada. Ele tem dificuldade para andar e precisará de semanas, senão meses, de recuperação”.
O escritório de direitos humanos da ONU disse na terça-feira (24) que a “transformação de alimentos para civis em Gaza em armas constitui um crime de guerra”.
Israel rejeita acusações e culpa os combatentes do Hamas pelos danos causados a civis, o que o grupo palestino nega. Em diversas ocasiões, as Forças de Defesa de Israel afirmaram ter feito disparos de aviso para a multidão, ou ter atirado contra pessoas que desrespeitaram as ordens do Exército e causaram tumultos.
A porta-voz do CICV reitera que a equipe do comitê não opera diretamente nos centros de distribuição, mas traz os relatos de pacientes que chegam ao hospital em Rafah: “A maioria desses pacientes diz que tentava chegar a um posto de distribuição de ajuda humanitária para coletar alimentos para suas famílias. Muitos deles chegam com ferimentos de bala ou estilhaços. Também conheci pessoas nos últimos dias que foram simplesmente empurradas e esmagadas pela multidão. É muito, muito caótico”.
Crise de saúde pública em Gaza
O alto número de traumas e cirurgias de emergência também sobrecarrega a equipe médica. Cirurgiões e enfermeiros passam 14, às vezes, 16 horas dentro da sala de operação para tratar pacientes com ferimentos de bala. A sobrecarga, somada à falta de remédios e equipamentos, torna a rotina de trabalho ainda mais desgastante, e as condições para os pacientes ainda mais perigosas.
Diante da escassez de materiais adequados, os profissionais da saúde tentam improvisar com o pouco que têm. No Hospital de Campanha da Cruz Vermelha em Rafah, uma enfermeira relatou ter esterilizado pedaços de lençóis para substituir as esponjas cirúrgicas, geralmente usadas para conter o sangramento durante uma operação. Os antibióticos também são limitados e, por isso, frequentemente prescritos de forma genérica para tratar infecções específicas.
“E não é só o Hospital de Campanha da Cruz Vermelha em Rafah. Todas as unidades médicas em Gaza estão enfrentando dificuldades. Civis, pais, não sabem a qual hospital, a qual posto médico recorrer para receber o tratamento adequado para seus filhos”, relata Sarah.

A porta-voz explica ainda que outros pacientes que precisam de tratamentos essenciais, como quimioterapia ou diálise, enfrentam o adiamento constante dos procedimentos. Já operações rotineiras, como uma cesariana, são interrompidas pelo som de disparos e sirenes.
A crise de saúde pública também se estende à população geral. Os palestinos que não sofreram ferimentos de guerra estão sujeitos à falta de recursos básicos de sobrevivência e higiene. A escassez não é apenas de comida e nutrição adequada, mas de sapatos para proteger os pés de superfícies contaminadas; de panelas e utensílios para cozinhar e ferver água; de fraldas para as crianças.
Desde que o bloqueio foi retirado no fim de maio, caminhões com suprimentos entraram no território, mas o volume é insuficiente para atender aos mais de 2 milhões de palestinos em Gaza. “Sabemos que a ajuda entrou. Nós mesmos recebemos suprimentos médicos. Recebemos outros itens. Mas, infelizmente, não nas quantidades que são realmente necessárias”, afirma Sarah.
Israel anunciou nesta quinta-feira (26) que voltou a impedir a entrada de ajuda no norte de Gaza, mas continua a permitir passagem pelo sul. A decisão veio após um vídeo que mostra combatentes armados cercando um caminhão com suprimentos.
O exército israelense acusou o Hamas de roubar e vender suprimentos para financiar suas operações. A Comissão Superior para Assuntos Tribais, que representa clãs influentes em Gaza, afirmou que os caminhões foram protegidos como parte de um processo de segurança humanitária gerenciado “exclusivamente por esforços tribais”. A comissão afirmou que nenhuma facção palestina, uma referência ao Hamas, participou do processo.
Mudança de foco
O conflito entre Israel e o Irã tem dominado o cenário internacional desde o dia 13 de junho, quando o Exército israelense lançou o que chamou de “ataque preventivo” contra instalações nucleares iranianas. Em seguida, o Irã revidou e atacou várias regiões de Israel; os Estados Unidos entraram no conflito e atacaram as três principais usinas iranianas; Teerã respondeu com um ataque a bases americanas no Catar e no Iraque; e o presidente americano, Donald Trump, anunciou um cessar-fogo que, até o momento, parece se sustentar. Mais de 600 pessoas foram mortas no Irã. Em Israel, 29 mortes e milhares de desabrigados.
Enquanto isso, mais de 860 pessoas foram mortas em Gaza, de acordo com cálculos da CNN de dados diários divulgados pelo Ministério da Saúde palestino. Na terça-feira (24), sete soldados israelenses foram mortos em confrontos em Khan Younis, no sul do enclave.
Os olhos do mundo estão voltados para as negociações nucleares, mas, após o anúncio do cessar-fogo com o Irã, o chefe do Estado-Maior das FDI (Forças de Defesa de Israel), tenente-general Eyal Zamir, indicou que o foco voltará para Gaza.

“Muitos desafios ainda estão por vir. Precisamos manter o foco, não há tempo para descansar sobre os louros”, afirmou Zamir em um comunicado. “Agora, o foco volta para Gaza — trazer os reféns para casa e desmantelar o regime do Hamas”, concluiu.
Mesmo durante os 12 dias de combates entre Israel e o Irã, a ofensiva em Gaza não deu trégua. Em Rafah, Sarah Davis descreve que o “pesadelo” continua, e os palestinos querem que suas histórias sejam ouvidas:
“Penso que é muito importante que as histórias das pessoas em Gaza sejam contadas e que não sejam vistas apenas como um número, sem rosto, entre milhares de pessoas. Cada pessoa aqui tem uma história, um passado, uma família, uma carreira, esperanças e sonhos. E acho que é muito fácil esquecer isso, especialmente em conflitos prolongados”, afirma a porta-voz do CICV.
“Cada pessoa aqui é um indivíduo que só quer um futuro para si e para sua família e encontrar uma saída para este pesadelo. Infelizmente, isso só pode acontecer por meio de resoluções políticas e diplomáticas”, conclui.