Ao longo das duas últimas décadas, o Brasil construiu um importante arcabouço em matéria de defesa da concorrência e de regulação setorial, o qual favoreceu a garantia do abastecimento de combustíveis no território nacional. Com uma rede de distribuição e revenda que cobre a totalidade dos municípios brasileiros, a indústria brasileira de GLP foi, até o presente momento, um caso bem-sucedido de política pública.
Os instrumentos de regulação, ancorados nas atribuições do Cade e da ANP, têm se mostrado bastante funcionais. A correta preocupação do governo sobre o peso que o consumo de GLP tem no orçamento familiar vem suscitando diversas tentativas de redução de preço a partir da ampliação da concorrência.
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Cabe notar, contudo, que o padrão de concorrência, especialmente no mercado de distribuição de GLP, requer não apenas mais agentes econômicos ofertantes; eles precisam ter qualificação para assegurar condições adequadas de abastecimento, minimizando fraudes fiscais e adulteração.
Assim, embora vários aspectos referentes à implementação efetiva das mudanças regulatórias ainda estejam em fase de detalhamento, como por exemplo a possibilidade de enchimento remoto de botijões, é fundamental que o desenho final a ser estabelecido reconheça as especificidades do segmento de distribuição na logística de movimentação do GLP e na garantia da segurança do abastecimento.
Dessa forma, qualquer novo regime de incentivo ou arcabouço regulatório que se pretenda desenvolver deve cumprir, ao lado das suas demais funções, um papel de atração de investimentos para as atividades supracitadas, com ênfase na expansão das instalações de envasamento, tancagem e de logística para a movimentação do produto.
No caso da distribuição de GLP estão presentes barreiras estruturais à entrada, tais como a escala mínima eficiente associada ao tamanho das bases de engarrafamento, a propriedade de botijões, bem como a importância da marca que se traduz num selo de segurança, confiabilidade e rastreabilidade para o exercício das tarefas de fiscalização regulatória.
Precisamente por se tratar de barreiras estruturais, elas são fruto das próprias características técnico-econômicas da indústria, da evolução da estrutura do mercado e do próprio padrão concorrencial. A presença de barreiras à entrada é uma característica intrínseca dadas as especificidades setoriais de natureza logística, operacional, comercial/contratual e de segurança.
Assim, revisões regulatórias devem sempre atentar para a conjugação de dois fatores primordiais. Em primeiro lugar, a correta identificação do problema econômico que se deseja lidar, bem como das suas causas.
Segundo, é fundamental a manutenção dos atributos funcionais da regulação setorial já existentes, resguardando as condições da rivalidade e o padrão de concorrência no mercado de GLP. São esses dois fatores que vão permitir a capilaridade da movimentação e entrega do produto em todo território nacional.
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Ademais, é de extrema importância que a sobreposição de competências institucionais seja evitada de forma a não criar oportunidades para agentes entrantes atuarem de forma oportunista, extraindo lucros extraordinários de curto prazo a partir de práticas anticompetitivas.
Essas situações, que podem ser caracterizadas, segundo a literatura econômica, como efeito “carona” ou free riders, não somente afastam a regulação dos seus objetivos iniciais como também elevam os riscos de novos investimentos.
Em resumo, não apenas o produto GLP tem que seguir as especificações e os atributos de qualidade. A qualidade do ambiente competitivo importa. O aumento dos riscos e custos regulatórios e a entrada de novos agentes – não devidamente qualificados para a operação – podem distorcer as condições de garantia do suprimento e de criação de um ambiente competitivo saudável, reduzindo a eficiência do setor e, potencialmente, causando danos à própria competição e à segurança de abastecimento.