A atenção era completa e a tensão tomou conta do laboratório de segurança da General Motors, em Indaiatuba, no interior de São Paulo. Um alarme grave soava de forma ritmada e o barulho do carro sendo tracionado aumentava a cada instante até que o Chevrolet Tracker colide contra uma barreira de alumínio a 64 km/h e o ruído assusta.
O impacto dura cerca de 200 milissegundos, duas vezes mais rápido que uma piscada de olho, mesmo assim é desconcertante. O silêncio ainda perdura no local até que os quatro painéis com lâmpadas halógenas de 300.000 watts de potência se apagam.
Assistir a um crash-test é algo raro e é ainda mais inédito acompanhar um teste de impacto real. Sim, pela primeira vez na história da General Motors do Brasil, a marca abre as portas do seu laboratório de segurança para uma equipe de reportagem. QUATRO RODAS é a primeira publicação da América Latina a ter acesso a um teste como esse no Brasil.

Nossa equipe acompanhou por dois dias seguidos a preparação, o impacto e o pós-impacto do novo Chevrolet Tracker. O teste seguiu os seguintes parâmetros: a velocidade era de 64 km/h, a barreira era deformável e 40% da dianteira do SUV tem contato com o implemento.
Esse teste tem a intenção de simular uma condição de rodovia de pista simples no qual a colisão acontece com um veículo no sentido contrário. Esse teste de impacto frontal a 64 km/h em barreira deformável é um padrão que é seguido por uma série de institutos de segurança mundiais, como o IIHS (instituto norte-americano de segurança veicular).
Os preparativos do ensaio
No dia anterior ao teste, a pintura cinza do Tracker ainda estava fresca. O SUV zero-km foi submetido ao banho de tinta fosca para evitar qualquer reflexo que pudesse atrapalhar a análise dos engenheiros quanto à deformação da carroceria após o impacto.

Todas as partes móveis também foram pintadas, mas de outra cor, as maçanetas de amarelo, o bocal de abastecimento de azul-escuro e a roda dianteira esquerda de azul-claro, com o pneu pintado de vermelho. “Essas cores chamativas nos ajudam no momento da análise pós-impacto e é uma etapa fundamental”, diz Julio Stellute, engenheiro de teste que já atua na GM há 39 anos.


No porta-malas, chamavam atenção cerca de 300 sensores, a maioria ligada aos dummies. São células de carga e acelerômetros que têm a função de identificar o quão forte foi a lesão e o quanto o corpo do dummy se movimentou de frente para trás e de um lado para o outro.

Os dummies também já estavam posicionados dentro do carro. Dois adultos de 85 kg estavam na primeira fileira de bancos, enquanto na segunda fileira o manequim de uma criança de 3 anos, com cerca de 15 kg, está sentada em uma cadeirinha infantil na fixação Isofix (sistema de retenção infantil) e uma outra criança de 10 anos, de cerca de 35 kg, sentada em um assento de elevação, conhecido como booster, também afixado no sistema Isofix do Tracker.
“Cada dummy tem entre 70 e 90 sensores e seu peso e altura representam a média da população mundial, assim podemos ter uma padronização dos testes de impacto”, afirma Fabio Baccan, gerente de segurança veicular, que trabalha na General Motors há 20 anos.


Os dummies passam por uma série de calibrações antes de serem acomodados dentro do carro e eles representam um investimento importante do custo de um crash-test. Cada dummy custa cerca de R$ 2 milhões e um mais moderno sem cabos elétricos, adquirido recentemente pela GM, que facilita o processo de coleta dos dados, pode chegar a R$ 4 milhões. “Todas as calibrações também seguem uma norma internacional e tudo é padronizado, até o sapato precisa ser o mesmo para todos”, conta Julio Stellute.

No dia do teste foi interessante presenciar o clima de ansiedade no laboratório, mesmo com engenheiros experientes que já realizaram pelo menos algumas centenas de crash-tests. “Eu sempre fico um pouco tenso e na noite anterior durmo pouco devido à ansiedade”, diz Julio, entre risos, pois participou desde o primeiro crash realizado em 1997 e tem um currículo de milhares de testes de segurança durante os quase 40 anos de empresa.


Antes do impacto, o Tracker fica cerca de quatro horas em uma câmara climática, na qual a temperatura é acertada para 21 oC, também para atender a norma técnica.
Na próxima etapa do ensaio, o carro foi preso a uma prancha com rodas, chamada de “skate”, que é puxada por um motor elétrico de 500 cv e tem capacidade para tracionar um veículo de 4 toneladas a 100 km/h.

O silêncio quebrado
Após o crash-test, o silêncio ao qual nos referimos no início desta reportagem só foi interrompido pela voz do engenheiro Julio, que se comunicava com um atendente do OnStar (sistema de segurança ativo da Chevrolet), que ligou para o carro em 13 segundos após a colisão simulada.
Comprovando que o modelo testado se tratava de um carro de produção e também que o sistema de assistência funcionou. Caso o atendente não consiga falar com ninguém, ele já aciona os centros de emergência para atendimento de urgência com base na localização do veículo.

Quando pudemos nos aproximar do Tracker, foi impactante verificar que o habitáculo estava preservado e os dummies em boas condições. Fomos encorajados a abrir a porta do motorista, que abriu com rangidos, mas sem dificuldade, comprovando que, se fosse um acidente com gente de verdade, o condutor conseguiria sair ou ser retirado.
Era nítida a satisfação dos engenheiros ao identificarem que o para-brisa ficou intacto, o teto não deformou e as portas estavam íntegras.
“Só com essas evidências já é possível afirmar que o Tracker tem um bom comportamento da área deformável e que boa parte da energia do impacto é absorvida pela dianteira”, afirma Julio. E é devido a isso que em um primeiro momento os engenheiros garantiram que não houve lesões graves nos ocupantes e a possibilidade de que os passageiros saíssem andando era alta.

Houve uma grande evolução no desenvolvimento nos últimos anos e o gerente Fabio Baccan informa que atualmente todo o processo de um novo produto é feito de forma virtual, com absoluta fidelidade. “Após o crash-test é possível comparar o resultado físico com o teste virtual e não é possível diferenciar qual é qual, tamanha precisão das simulações”, conta.

Nos anos 2000, cerca de 80 carros de um projeto eram direcionados para crash-test durante o desenvolvimento e atualmente essa frota de protótipos não é mais necessária. Os testes físicos só são realizados para homologação, que só aceitam crash–tests reais.
O laboratório da GM está em operação há 28 anos, tendo realizado cerca de 4.000 testes neste período. Assim como ele, que realiza crash-test, só existem mais dois no Brasil, um que pertence à VW, em São Bernardo do Campo (SP), e outro à Stellantis, em Betim (MG).


Batemos Corsa, Fiesta, Gol e Palio
Em novembro de 2000, QUATRO RODAS promoveu um crash–test comparativo entre os modelos mais vendidos do país naquela ocasião. Foi uma iniciativa pioneira na América Latina e, pelo que consta, única até hoje promovida por uma publicação automotiva.
QR bancou todo o teste: desde a compra dos carros até a contratação de um perito especializado e o aluguel do laborátorio da VW. Representantes das marcas foram convidados a acompanhar os ensaios.

Por coincidência, o representante da GM foi Julio Stellute, o mesmo que nos atendeu agora: “QUATRO RODAS fez história há 25 anos e contribui para a evolução do nível de segurança dos modelos envolvidos”, disse. “Era uma época em que ocorriam muitos recalls”, afirma Julio.