O ritmo atual de transformações digitais exige uma busca continua por um aprimoramento tecnológico, o desafio é viabilizar projetos que conciliem ferramentais eficientes e um custo que as tornem viáveis. Na transmissão de dados, um dos principais exemplos dessa ambição são os data centers, capazes de armazenar, processar e transmitir informações em uma escala massiva, sendo a base de serviços bancários, inteligência artificial e de streaming.
A centralidade dos data centers promove uma corrida nacional e internacional para atraí-los, o que envolve oferecer caminhos para a maximizar os seus ganhos econômicos, geralmente associados a políticas governamentais de incentivos fiscais, subsídios e simplificações das exigências burocráticas.
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Mirando nesses empreendimentos, o governo federal editou em julho deste ano a MP 1307/2025, que reformula o regime das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), previsto Lei 11.508/2007, tornando-o mais atrativo à nova economia digital.[1]
Contudo, essa novidade legislativa trouxe um aspecto hoje indissociável do cenário global dos avanços tecnológicos, a preocupação com os impactos ambientais desses projetos, sob pena de agravar a crise climática-ambiental.
A atenção a esse aspecto é vista nas três principais mudanças instituídas pela MP, que apesar de permitir que os prestadores de serviços exportadores ingressem no regime das ZPEs e assegurar a fruição de um prazo mínimo de 20 anos para a fruição desses benefícios legais, passou a exigir que as empresas instaladas em ZPEs utilizem exclusivamente energia elétrica proveniente de “novas” fontes renováveis.
Quanto a essa exigência energética, modificou-se o artigo 3º da Lei 11.508/2007 para incluir a obrigação de que a energia elétrica utilizada pelas empresa em ZPEs seja oriunda de usinas de fontes renováveis cuja operação seja posterior à publicação da MP.[2] Instituiu-se, portanto, uma chamada regra de “adicionalidade ambiental”, capaz de incentivar novos investimentos em geração de energia renovável, e não apenas redirecionar a energia “limpa” produzida em outros locais para esses novos empreendimentos, diminuindo o risco de que os antigos beneficiados retornem ao uso de fontes de energia poluentes.
A adicionalidade ambiental revela uma preocupação da MP 1307 em tornar o regime da política industrial exportadora das ZPEs brasileiras compatível com as exigências do mercado internacional de incentivo à transição energética e de busca por produtos com baixa marca de carbono.[3]
Essa regra é excepcionada pela MP só em quatro casos: (i) empresas que funcionam nas ZPEs sem fruir de incentivos fiscais (art. 21-B), (ii) consumidores cativos, (iii) energia gerada e consumida na própria ZPE (autogeração on-site); e (iv) projetos aprovados pelo CZPE antes da publicação da medida.[iv]
Já as demais novidades criadas pela MP têm como foco expandir o rol de beneficiados pelos incentivos fiscais das ZPEs, corrigindo uma distorção quanto à isonomia criada pela Lei 14.184/2021 que passou a admitir a presença de empresas prestadores de serviços para o exterior, mas somente estendeu os benefícios do regime àquelas vinculadas à exportação de mercadorias. A MP 1307 passa a incluir também no regime da ZPEs as empresas que prestem serviços aos exportadores de serviços, condicionado ao vínculo a uma empresa já instalada na ZPE.
Junto a essa extensão, a MP também sinaliza uma preocupação com a segurança jurídica, ao fixar o prazo de 20 anos para as empresas aprovadas, o que no caso das prestadoras de serviços citadas acima ficará limitado ao tempo restante de fruição da contratante.
Esse movimento reforça o interesse do governo em atrair projetos de setores de tecnologia, reestruturando a agenda digital e energética. Sobretudo em mercados sensíveis ao custo e à rastreabilidade da energia, como os data centers, garantir a origem “limpa” da eletricidade junto aos incentivos econômicos passou de diferencial competitivo a condição essencial.
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A urgência do tema como pauta governamental fica clara com a forma escolhida para instituição dessas regras – via Medida Provisória –, já que havia um debate sobre a criação de um regime especial para investimentos em data centers (Redata), paralisado em razão dos desafios fiscais e cuja edição foi preterida pela simplicidade e rapidez da Medida Provisória associada ao marco legal das ZPEs. Essa solução pragmática ainda será analisada pelo Congresso, que terá o prazo de até 120 dias para decidir sobre a conversão da MP 1307 em lei federal.[5]
Ainda que as transformações discutidas estejam sujeitas à confirmação legislativa, a edição dessa MP já abre algumas frentes de debate relevantes para o contexto da transição energética brasileira, que vão desde a regulamentação do requisito de “adicionalidade ambiental” (quais os critérios e entidades responsáveis por essa certificação), à estrutura de transmissão exigida para essas novas plantas e usinas de energia renovável, aos riscos de desequilíbrio financeiro pelo excesso de empreendimentos beneficiados.
Pautas de um debate contínuo entre os custos ambientais e econômicos enfrentados pelo Brasil.
[1] Disponibilizada no DOU em 21 de julho de 2025. O inteiro teor da Medida Provisória está disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2025/Mpv/mpv1307.htm
[2] Na redação original do texto da MP 1.307/2025: “ Art. 1º A Lei nº 11.508, de 20 de julho de 2007, passa a vigorar com as seguintes alterações: ‘Art. 3º, § 1º, VI – obrigação de que toda energia elétrica a ser utilizada por empresas instaladas em ZPE seja proveniente de usinas de fontes renováveis que não tenham entrado em operação até a data de publicação da Medida Provisória nº 1.307, de 18 de julho de 2025.’”
[3] Preocupação é trazida de forma expressa na exposição da motivos da MP 1.307/2025: “Ademais, a presente proposta visa fomentar a sustentabilidade e a transição energética no país ao incluir o inciso VI ao §1º do art. 3º. Ao exigir que a energia elétrica utilizada por novas empresas instaladas em ZPEs seja proveniente de fontes renováveis cuja operação não tenha se iniciado antes da publicação deste dispositivo, busca-se garantir a adicionalidade na geração de energia limpa. Essa medida não apenas contribui para o cumprimento dos compromissos ambientais do Brasil, como a redução das emissões de gases de efeito estufa, mas também estimula investimentos em energias renováveis, gerando mais empregos e desenvolvimento econômico e tecnológico no setor. Além disso, posiciona as empresas brasileiras instaladas em ZPEs na vanguarda da sustentabilidade, aumentando sua competitividade no mercado internacional, que cada vez mais valoriza produtos e serviços com baixa pegada de carbono”. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2025/Exm/Exm-1307-25.pdf.
[4] No original: “§ 8º A obrigação prevista no inciso VI do § 1º não se aplica: I – às empresas de que trata o art. 21-B; II – aos consumidores cativos instalados em ZPE; III – à parcela de energia elétrica gerada para consumo próprio a partir de usinas instaladas na respectiva ZPE; e IV – aos projetos aprovados pela CZPE antes da data de publicação da Medida Provisória nº 1.307, de 18 de julho de 2025″.
[5] Nos termos do artigo 61, §3º, da Constituição da República: “3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes”.

