Duas mulheres denunciaram suposta tortura, agressões e transfobia dentro de uma delegacia do Distrito Federal, no sábado (23/8). A Polícia Civil (PCDF) nega as acusações, mas a Corregedoria instaurou inquérito para apurar o caso.
A presidente da Associação de Moradores Bairro Nossa Senhora de Fátima, Karine Lins, de 37 anos, diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), e a vice-presidente, Danny Silva, 27, uma mulher trans, foram até a 16ª DP (Planaltina) para ajudar uma mãe ameaçada pelo filho a registrar um boletim de ocorrência.
Segundo as mulheres, os policiais responsáveis pelo registro fizeram piadas homofóbicas. Além disso, o filho acusado não teria sido algemado e teria feito uma ameaça. “Olha, isso é homofobia, isso é crime”, alertou Danny.
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Na sequência, um dos policiais teria empurrado Karine nos seios e dito para as mulheres saírem. O movimento, segundo a mulher, arrancou um piercing dela, causando um ferimento.
A discussão evoluiu para um tumulto, e as duas mulheres teriam sido levadas para o interior da delegacia.
Tortura
“Dentro da delegacia foi tortura mesmo. Lá, fizeram eu tirar toda a minha roupa. Fiquei de frente a um monte de policial. Eu falei: ‘Eu sou mulher’. E um policial disse: ‘Não, aqui, para mim, você é homem, e você vai apanhar igual um homem’”, contou Danny.
Segundo as líderes comunitárias, um policial filmou a cena. Os agentes faziam chacota o tempo todo, chutando a calcinha da mulher trans. E quando Danny tentou descansar em um banco, levou um chute na perna. “Ele disse: ‘Não mandei você sentar. É para ficar de pé’”, relatou a vice-presidente comunitária.
Karine teria sido arrastada pelo chão até um corredor e espancada por vários policiais. Danny contou que pediu diversas vezes para os policiais pararem, lembrando que a amiga é autista, mas os golpes teriam continuado. “Foi tortura. Tortura física e psicológica”, afirmou Karine.
Sem água nem banheiro
De acordo com a versão de Karine, após o espancamento, ambas ficaram presas. Com sede, as mulheres pediram água, mas foram ignoradas diversas vezes. “Nós tivemos que fazer as necessidades no meio delegacia. A Danny na cela e eu no corredor”, relatou. A autista sofreu três crises durante a prisão.
Karine contou que, antes de pagarem fiança para deixar a delegacia, em diversos momentos os policiais teriam dito para elas não denunciarem o episódio. “Tinha uma câmera dentro que filmou muita coisa. Mas, quando fomos pedir as imagens, a câmera tinha sido retirada”, denunciou a presidente da associação.
As mulheres enviaram o caso à PCDF e ao Ministério Público (MPDFT). “Pensávamos estar mais seguras na delegacia. Fomos como testemunhas e nos trataram como criminosas”, lamentou Danny.
PCDF nega excessos
A PCDF negou excessos e prometeu apurar o caso. A 16ª DP informou que, na data em questão, “as reclamantes, na condição de testemunhas de um crime de violência doméstica, compareceram a esta delegacia. Durante o atendimento, elas apresentaram comportamento exaltado e agressivo em relação ao suposto autor do crime”.
Segundo a PCDF, como medida para restabelecer a ordem e dar continuidade ao procedimento, foi solicitado a ambas que aguardassem na área externa da sala de atendimento.
“As solicitantes, no entanto, tornaram-se mais exaltadas e investiram agressivamente contra os policiais civis de plantão, que sofreram lesões corporais”, acrescentou. Por isso, elas foram autuadas em flagrante delito pelos crimes de desacato e resistência.
Um dos policiais teria ficado ferido e precisou ser encaminhado a um hospital, onde recebeu atendimento médico adequado.
“Apesar da conduta observada, a 16ª Delegacia de Polícia reafirma seu compromisso com a legalidade. A suposta agressão policial denunciada será prontamente investigada pela Corregedoria-Geral da Polícia Civil, de modo a garantir a apuração completa e imparcial dos fatos”, ressaltou a PCDF.