Imagina chegar em uma das maiores conferências do mundo sobre meio ambiente e encontrar no cardápio uma profusão de hambúrgueres, pizzas e outras opções de fast food? Sempre foi assim, mas este ano o Brasil tem a chance de mudar essa cena. Sediar a COP30 em Belém representa uma oportunidade concreta de mostrar ao mundo que é possível pensar em alimentação e clima de forma integrada e agir de acordo com isso.
A proposta “Na Mesa da COP30”, construída por uma coalizão de organizações da sociedade civil, propõe que ao menos 30% dos alimentos servidos durante o evento venham da agricultura familiar, da sociobiodiversidade amazônica e de sistemas agroecológicos. Muito mais do que uma solução logística, trata-se de uma decisão política que coloca o alimento no centro da discussão climática.
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Durante a pré-conferência realizada em Bonn, na Alemanha, o governo brasileiro já sinalizou compromisso com a proposta. O secretário extraordinário para a COP30, Valter Correia, afirmou que o país trabalha com o compromisso de garantir ao menos esse percentual das compras de alimentos da COP30 junto à agricultura familiar. Também em Bonn, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, reiterou publicamente esse compromisso, destacando a importância de um cardápio que reflita a diversidade e a sustentabilidade da Amazônia.
O Brasil ocupa um papel paradoxal nesse debate. É um dos maiores produtores de alimentos do mundo, mas tem 74% das suas emissões de gases de efeito estufa vinculadas aos sistemas alimentares, em especial à agropecuária e ao desmatamento. Adotar uma abordagem mais coerente com a transição ecológica significa reconhecer esse impacto e apontar caminhos. Servir alimentos produzidos localmente, com práticas sustentáveis, durante a COP30 seria um gesto simbólico e prático na direção certa.
O projeto articula princípios de saúde, cultura e sustentabilidade. Os cardápios devem seguir as diretrizes do Guia Alimentar para a População Brasileira e respeitar os saberes tradicionais dos povos da Amazônia. Isso significa valorizar ingredientes nativos, modos de preparo regionais e cadeias produtivas de baixo impacto. Ao fazer isso, a COP30 não apenas alimenta seus participantes, mas também fortalece economias locais e reafirma o protagonismo das comunidades que cuidam da floresta.
Para viabilizar a proposta, foram mapeadas cooperativas e associações de produtores no Pará, com levantamento de capacidade de produção, tipos de alimentos disponíveis e logística de distribuição. A expectativa é que a compra de insumos para o evento injete aproximadamente R$ 3,3 milhões na agricultura familiar, valor que representa cerca de 80% do orçamento anual do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) destinado ao município de Belém.
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Esse investimento pontual pode deixar um legado duradouro. A valorização de alimentos da sociobiodiversidade amazônica nas compras públicas e privadas pode impulsionar uma nova dinâmica econômica na região, fortalecendo políticas públicas de segurança alimentar e combate ao desmatamento. A COP30, portanto, não precisa ser apenas uma conferência sobre o futuro climático. Pode ser uma experiência viva de como integrar práticas sustentáveis no presente.
A alimentação sempre foi tratada como um detalhe em eventos internacionais, mas essa lógica precisa mudar. E o Brasil vai fazer isso. Quando a comida servida contradiz os discursos feitos no palco, perde-se uma oportunidade de coerência e de impacto. Ao colocar comida de verdade no centro da conferência do clima, damos o exemplo. Alimentar é também uma forma de governar.