Durante declaração no dia 10 de setembro, Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, destacou que o governo pretende lançar um conjunto de decretos enquanto avança a negociação da política nacional dos minerais críticos junto ao Congresso. O Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), criado em 2022, deve se reunir para debater o tema e definir os próximos passos no que diz respeito aos minerais críticos e terras raras no país.
Essa é uma sequência do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizado em Montes Claros, Minas Gerais, no final de agosto. Nele, Lula pontuou a realização de uma reunião entre ministros com representantes do CNPM, sinalizando o plano de criação de um conselho sobre minerais críticos e terras raras.
A evidência sobre o assunto nos últimos meses não é à toa. Os minerais críticos devem movimentar US$ 18,45 bilhões em investimentos até 2029, representando 27% do total previsto para o setor mineral no período, de acordo com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Esse movimento está conectado à corrida global por insumos essenciais à transição energética, como lítio, níquel, cobre e terras raras – materiais que são usados em turbinas eólicas, veículos elétricos, baterias de longa duração e outras tecnologias de baixo carbono.
A disputa geopolítica ao redor desses insumos também põe o Brasil em posição estratégica. Para que o país alcance protagonismo no setor, há desafios a serem superados, principalmente em relação a transferência de tecnologia, industrialização e diversificação da pauta mineral no país. “Para alcançar protagonismo no setor mineral, é essencial priorizar políticas públicas que incentivem a inovação tecnológica, a sustentabilidade e a responsabilidade socioambiental”, diz Raul Jungmann, diretor-presidente do Ibram.
As terras raras correspondem a um grupo de 17 elementos químicos que têm propriedades únicas e primordiais para a indústria tecnológica. Neodímio, praseodímio, disprósio e térbio são os de maior potencial para a produção de ímãs permanentes, indispensáveis para motores de carros elétricos e turbinas eólicas. Segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME), o Brasil tem a segunda maior reserva de terras raras do mundo – apenas atrás da China.
Além das terras raras, o solo brasileiro também se destaca pelos estoques de outros minerais críticos. O país é líder mundial na produção de nióbio, com mais de 90% das reservas mundiais; tem a terceira maior produção de níquel; e a sexta em lítio. Esses números mostram como o Brasil pode se tornar uma potência no setor. Todos esses minerais são relevantes para a transição energética, pois são usados na indústria de baixa emissão de carbono e de alta tecnologia.
Este ano, as pressões no mercado se intensificaram desde a restrição do fluxo de minerais críticos e estratégicos pela China e os embates geopolíticos com os Estados Unidos. Em julho, houve uma reunião entre representantes da embaixada dos Estados Unidos com o Ibram, em que houve manifestação de interesse estadunidense em firmar acordos para adquirir acesso às matérias-primas.
O estudo “Minerals for Climate Action: The Mineral Intensity of the Clean Energy Transition”, do Banco Mundial, aponta que países da América Latina, incluindo o Brasil, têm grandes potencialidades para atender essa nova demanda de minerais essenciais e metas das terras raras. A corrida global traz uma posição estratégica ao país, mas também expõe os gargalos para o aproveitamento dessa oportunidade do setor energético. Segundo Jungmann, o caminho consiste em industrializar etapas intermediárias da cadeia produtiva, como pelotas e briquetes de baixo carbono no ferro e ligas de cobre e níquel.
“Uma economia de baixo carbono é aquela que busca minimizar a emissão de gases de efeito estufa (GEE), reduzir o consumo de energia e diminuir a poluição ambiental. Nesse contexto, minerais e metais desempenham um papel essencial, sendo cruciais para a geração, o transporte, o armazenamento e o uso de energia limpa”, explica.
O executivo ainda cita a criação de condições regulatórias e econômicas que tornem o país competitivo frente aos concorrentes internacionais. “Nosso próximo salto está em acelerar a transformação industrial onde houver escala, energia competitiva e demanda”, afirma.
A inserção nos vários processos envolvidos na cadeia internacional também é um desafio. Enquanto a China concentra etapas-chave do refino, a União Europeia estabelece metas de extração e limites de dependência. Por outro lado, os Estados Unidos condicionam incentivos à origem de fornecedores.
Para o Ibram, esse cenário reforça a necessidade de o Brasil buscar acordos estratégicos que envolvam não apenas a venda de minérios, mas também transferência de tecnologia, investimentos em pesquisa e verticalização da cadeia produtiva. “Esta seria uma ação a ser conjugada com uma diplomacia econômica para proteger mercados e minimizar riscos”, diz Jungmann. “Não basta minerar. Se faz necessário provar entrega confiável, com processamento no Brasil, rastreabilidade compatível com normas dos países compradores e custos previsíveis”, acrescenta o diretor-presidente da instituição.
Pesquisa, capacitação e inovação
Em agosto, o Serviço Geológico do Brasil (SGB) e o Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) estabeleceram um acordo para o desenvolvimento de estudos sobre minerais críticos e estratégicos. Com o nome de Acordo de Cooperação Técnica (ACT), o objetivo deste compromisso é ampliar pesquisa e inovação, como forma de fortalecimento do setor mineral no país.
Para a pesquisadora Lúcia Helena Xavier, do CETEM, o desenvolvimento da ciência nacional é o caminho para que o Brasil consiga transformar seu potencial mineral em valor estratégico. De acordo com ela, o país possui competência tecnológica e reservas relevantes para avançar na cadeia de terras raras, mas enfrenta desafios científicos e estruturais. Entre eles, está o desenvolvimento de processos para a separação dos óxidos de terras raras (OTR). Embora produzidos em volumes menores do que minerais como ferro e alumínio, esses são fundamentais para tecnologias de baixo carbono. “Em comparação com minério de ferro, alumínio e cobre (bulk minerals), os óxidos de terras raras são produzidos em menores volumes, mas requerem aporte tecnológico para os diferentes elementos que compõem os elementos de terras raras”, explica.
Segundo Xavier, um dos maiores obstáculos é a dependência tecnológica em relação a países como China e Estados Unidos. “Hoje, o Brasil não possui demanda significativa para o consumo de óxidos de terras raras, mas consome bens acabados como os ímãs de terras raras. Assim, a formação de demanda seria uma primeira fronteira para estimular o avanço tecnológico e industrial no setor e assim reduzir a dependência tecnológica”, analisa.
Para reduzir essa vulnerabilidade, seria necessário não apenas escalar a pesquisa e inovação, mas também formar um mercado interno que estimule a industrialização e atraia investimentos.
Outro ponto destacado pela pesquisadora é a insuficiência de infraestrutura laboratorial e a carência de recursos humanos especializados, lacunas que poderiam ser enfrentadas com maior aporte dos royalties da mineração, previstos na Lei 13.540/2017. Ainda que os impactos ambientais da produção de terras raras sejam menores do que os de minerais extraídos em grande escala, Xavier alerta que é fundamental adotar práticas de economia circular e mineração urbana para reduzir riscos sociais e ambientais.
“Os impactos ambientais e sociais inerentes ao processamento mineral podem ser mitigados a partir das práticas legais de licenciamento e controle ambiental, conforme regulamentação vigente”, observa. Nesse sentido, políticas de ciência e tecnologia devem priorizar o fortalecimento dos centros de pesquisa, a criação de usinas-piloto e a integração entre universidades, governo e setor produtivo.
Ambiente regulatório e incentivos fiscais
Assim como em âmbito científico, também há a expectativa de que sejam feitas mudanças no ambiente regulatório. Para Jungmann, diretor-presidente do Ibram, é preciso promover um cenário regulatório seguro, que possa atrair investimentos e alinhar políticas setoriais e federativas para o desenvolvimento sustentável. “É importante ter um marco regulatório que estabeleça definições claras e estratégias para a integração das cadeias de valor, responsabilidades e prazos. A Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE) deve ser uma lei geral que oriente a atuação de agentes públicos e privados, promovendo as cadeias de minerais críticos e estratégicos de forma responsável”, opina.
Atualização de políticas públicas e adaptações nos sistemas regulatórios também são citadas por ele como importantes nesse processo. De acordo com Jungmann, é preciso acompanhar com agilidade esse cenário. “A dinâmica acelerada do segmento de minerais críticos exige processos ágeis de licenciamento para não se perder oportunidades de inovação.”
Em relação ao apoio financeiro, para o Ibram, o Governo Federal e agências de fomento devem investir em pesquisa mineral no Brasil. “Propõe-se a ampliação de instrumentos financeiros como debêntures incentivadas e letras de risco de crédito para projetos de mineração, que são usados em infraestrutura e energia”, declara.
O diretor-presidente da instituição também pontua a adaptação da Lei 11.196/2005, conhecida como Lei do Bem. A norma é considerada o principal instrumento para estimular as atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Indústria (PD&I) nas empresas brasileiras. “O crescimento do setor depende de investimentos em infraestrutura e tecnologia, com a criação de condições legais favoráveis, mapeamento abrangente do potencial mineral e divulgação clara de informações”, acrescenta.
Debate e ações no Congresso
Sobre a atuação política, o deputado federal Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), vice-presidente de Defesa do Consumidor da Frente de Energia, afirma que o Congresso tem avançado nas discussões sobre políticas públicas que incentivem o uso responsável dos recursos naturais, com foco na inovação tecnológica e no desenvolvimento de práticas sustentáveis. Porém, alerta ser imprescindível que a exploração desses recursos seja feita com respeito ao meio ambiente e às comunidades envolvidas.
“Projetos como o PL 4147/2025, que trata da destinação dos royalties do petróleo da Margem Equatorial, e outras iniciativas no campo da bioeconomia e sustentabilidade, visam garantir que o crescimento econômico seja equilibrado com a preservação ambiental”, diz ao enfatizar que o país precisa de uma visão estratégica de longo prazo que envolva tanto o investimento em infraestrutura, quanto a criação de políticas públicas que incentivem a pesquisa, a inovação e o aprimoramento das capacidades tecnológicas.
“Isso inclui, por exemplo, políticas fiscais favoráveis à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias para extração e processamento desses minerais, bem como a criação de parcerias público-privadas que incentivem a diversificação do setor”, complementa Rollemberg.
Na visão do parlamentar, o Congresso pode também estabelecer normas que exijam maior transparência e responsabilidade das empresas no que diz respeito ao impacto ambiental da mineração, além de garantir a participação da sociedade nas decisões sobre o uso dos recursos naturais.
O ponto é reforçado pelo deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG), membro da Frente Parlamentar da Energia. “O Brasil precisa de uma legislação que garanta segurança à população e ao meio ambiente, mas que também ofereça segurança jurídica e previsibilidade ao empreendedor que decide investir no país. Por isso, é importante aprovar o Projeto de Lei 2.780, que cria a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos”, afirma.
Apesar do potencial para se tornar o segundo maior player mundial na produção, e avançar fortemente também no processamento interno, o deputado indica a necessidade de o país equilibrar a defesa da soberania com a liberdade econômica, evitando a criação de monopólios.
Ele destaca que a visão pouco aprofundada tanto do Congresso como da sociedade e da própria imprensa sobre a mineração sustentável mudou muito nos últimos dois anos, o que explica o destaque do assunto e nos debates sobre o tema. “A legislação que rege parte da atividade minerária é antiga e remonta a cinco ou seis décadas. Queremos uma legislação moderna, que garanta que a mineração não seja uma ameaça à vida ou ao meio ambiente, mas sim um vetor estratégico de geração de riquezas e qualidade de vida.”
Silva lembra do atual trabalho pela aprovação de um projeto que institui uma política nacional de minerais críticos e estratégicos, considerando que tal política é fundamental diante da expectativa de que, até 2040, o volume necessário desses minerais aumente em até 40 vezes, impulsionado pela transição energética, pelas energias limpas, pela segurança alimentar e pelo combate à fome. “Também é essencial avançar em regularização fundiária e ambiental e em sistemas produtivos mais sustentáveis.”