A cobrança do Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab) é bastante controversa desde sua instituição em 2000. No entanto, ainda não há uma decisão de mérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que tenha apreciado a natureza jurídica do Fethab[1], pois as ADIs 6.420/MT e 7.367/MT foram julgadas prejudicadas com a promulgação da EC 132.
Dizem que é melhor um final horroroso que um horror sem fim. Mas o julgamento do Fundo de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundersul) na ADI 2056, de 2007, foi um final horroroso que criou o horror sem fim enfrentado pelos produtores rurais do país. Essa decisão julgou constitucional a cobrança de fundo exigido como condição para obtenção de incentivo fiscal, sob o argumento de que este seria facultativo e portanto, não teria natureza tributária.
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Ocorre que, todos esses fundos são cobrados como condição para que exportadores tenham diferimento ou suspensão de ICMS na saída para exportação. A facultatividade aqui é mais cruel que o enigma da esfinge, “decifra-me ou devoro-te”: ou o produtor rural paga o fundo ou paga o ICMS cuja imunidade foi assegurada pelo artigo 150, §2º, X, A da Constituição Federal.
A facultatividade permite ao contribuinte escolher dos males o menor e optar por pagar aquele tributo que lhe causa menos ônus. Via de regra, o fundo estadual será o escolhido pois sua alíquota é inferior à do ICMS, muito embora haja a promessa de devolução do ICMS pago indevidamente na exportação. Aliás, sabemos que a devolução de saldos credores de ICMS pelos estados pode ser uma promessa bem intencionada, mas não se concretiza na prática na esmagadora maioria das hipóteses[2].
Felizmente esse precedente parece que vem sendo superado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como demonstram duas decisões posteriores.
A primeira delas sobre o Fundeinfra, cuja decisão do STF foi proferida em sede de cautelar e por maioria (vencidos os ministros Dias Toffoli, André Mendonça e Luís Roberto Barroso). Naquela oportunidade, o STF expressou sua incerteza, pois não teve “elementos suficientes para definição da natureza jurídica da exação do Fundeinfra, quanto ao menos de eventual espécie tributária e seus consectários jurídicos”.
E a segunda, mais recentemente, sobre a contribuição ao Fundo Estadual dos Transporte do Estado do Tocantins, cuja inconstitucionalidade foi declarada pelo STF na ADI 6365. Ao analisá-la, o ministro relator Luiz Fux conclui que seria um verdadeiro adicional ao ICMS, exigido sem autorização constitucional.
Mas o horror sem fim dos produtores rurais foi constitucionalizado pelo artigo 136 do ADCT, que permitiu a cobrança de contribuições destinadas a fundos para infraestrutura e habitação, como condição ao diferimento, regime especial e outros tratamentos diferenciados, vigentes em 30 de abril de 2023.
O único alívio foi que houve a classificação dessa cobrança como contribuição (o que implica o reconhecimento expresso de sua natureza jurídica tributária) e a norma constitucional impôs limites e determinou que:
- as contribuições não podem ter base mais ampla do que aquela vigente em 30 de abril de 2023;
- não podem ser cobradas em alíquota superior àquela aplicável em 30 de abril de 2023; e
- devem ser destinadas a fundos com investimentos em infraestrutura e habitação[3].
Alguns estados pretenderam usar essa disposição constitucional para criar novas forma de arrecadação, como a Contribuição Especial de Grãos do Maranhão[4], a ressureição do Fundo Estadual do Tocantins (FET) pela Lei 4.303/2023 e a contribuição do Fundo de Desenvolvimento Econômico do Estado do Pará (Lei 10.837/2024, que posteriormente foi revogada).
Um dos estados que foi beneficiado pelo artigo 136 do ADCT foi o Mato Grosso, que recentemente, ampliou a base de cálculo da contribuição ao Fethab, para alcançar operações com feijão, grão de bico, lentilha, ervilha, amendoim, trigo, fava, milho pipoca, milho canjica, mamona, girassol, arroz, sorgo, gergelim, milheto e painço. E, além do pagamento ao Fethab (12% da UPF/MT), exige-se também uma contribuição para Entidades das Cadeias Produtivas (8% da UPF/MT).
O artigo 8º da Lei 7263/2000, com a redação dada pela Lei 12.751/2024, estabelece que o pagamento do Fethab (artigo 7-J, incisos I e III) é “faculdade do contribuinte” e “condição para manutenção de regime especial para apuração do recolhimento mensal do ICMS nas operações interestaduais e para remessa da mercadoria para exportação com suspensão ou não incidência do imposto.”
A exportação, como sabemos, é imune ao ICMS, nos termos do artigo 155, §2º, X, A, da Constituição Federal. Mas, para concretizar essa imunidade, o Convênio ICMS, 84/2009 permitiu que os estados e o Distrito Federal estabeleçam mecanismos de controle das exportações. E Mato Grosso, de modo inconstitucional, estabelece como fato gerador do ICMS a “saída da mercadoria, a qualquer título, do estabelecimento do contribuinte” (artigo 3º, I do Regulamento do ICMS do Estado de Mato Grosso [RICMS-MT], veiculado pelo Decreto 2212/2014).
Ora, o artigo 136, I do ADCT exige que os estados mantenham a alíquota e a base de cálculo da cobrança das contribuições tal como em 30 de abril de 2023. E nesta data, o estado de Mato Grosso cobrava o Fethab em operações com soja, gado, algodão, milho, madeira, carnes, feijão vigna e carioca.
A base de incidência do Fethab não poderia ter sido ampliada para incluir outros tipos de feijão, grão de bico, lentilha, ervilha, amendoim, trigo, fava, milho pipoca, milho canjica, mamona, girassol, arroz, sorgo, gergelim, milheto e painço, como pretendeu a Lei 12.751/2024.
E, a contribuição somente pode ser cobrada para financiar fundo de investimento em infraestrutura e habitação. Não há fundamento constitucional que permita a cobrança de contribuição para Entidades das Cadeias Produtivas, como impõe o artigo 7º-J, §3º, da Lei 7263/2000, com a redação da Lei 12.751/202.
A cobrança do Fethab e da contribuição para Entidades das Cadeias Produtivas prevista no artigo 7º-J da Lei 7.263/2000, com a redação da Lei 12.751/2024, viola o artigo 136, caput, e incisos I e III do ADCT, assim como a imunidade constitucional às exportações.
Importante observar que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) entende que o Fethab não é tributo, por ser facultativo. Mas a partir da EC 132/2023, por disposição expressa do artigo 136, caput do ADCT, o Fethab passou a ter natureza jurídica tributária, classificando-se na espécie como contribuição.
Curioso que o TJMT reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança do Fethab sobre energia elétrica[5]. No entanto, a diferença entre essas contribuições é meramente gramatical: o artigo 7º-H determinava que as usinas hidrelétricas ficam obrigadas a recolher o Fethab, enquanto os artigos 7-J e 7-I preveem os contribuinte que promoverem saídas de gergelim feijão, grão de bico, lentilha, ervilha, amendoim, trigo, fava, milho pipoca, milho canjica, mamona, girassol, arroz e sorgo efetuarão o recolhimento do Fethab.
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O uso de palavra diferente, neste caso, não altera o conteúdo semântico da obrigação de pagar o Fethab, que era obrigatória para as usinas hidrelétricas e atualmente é obrigatória para os contribuintes que operam com gergelim.
Quanto à cobrança de contribuição em favor da Entidades das Cadeias Produtivas, o TJMT julgou parcialmente procedentes 1017304-80.2021.8.11.0000 e 1000857-80.2022.8.11.0000 declarou a inconstitucionalidade do artigo 7º, caput, expressão “e, conforme o caso, para o Instituto da Pecuária de Corte Mato-grossense – INPECMT, para o Instituto Mato-grossense do Algodão – IMAmt, para o Instituto Mato-grossense do Agronegócio – IAGRO, para o Instituto da Madeira do Estado de Mato Grosso – IMAD, bem como para o Instituto Mato-grossense do Feijão, Pulses, Grãos Especiais e Irrigação – IMAFIR/MT”.
Concluímos, portanto, que é hora do Judiciário acabar com esse horror sem fim e fazer cumprir os limites constitucionais à instituição das contribuições do agronegócio previstos no artigo 136 do ADCT. Nessa linha, como guardião da Constituição, esperamos que o STF aprofunde o exame dos casos concretos e seus julgados reflitam a natureza jurídica tributária dessas contribuições após a promulgação da Emenda Constitucional 132.
[1] O ARE 1513807 AgR e o ARE 1540532 AgR foram decididos pelo colegiado, mas não houve o julgamento do mérito por esbarrar nas Sumulas 279 e 280 do STF.
[2] Confederação Nacional da Indústria. Perda de Competitividade das Exportações: o Problema do Acúmulo de Créditos de ICMS / Confederação Nacional da Indústria. – Brasília : CNI, 2018. 123 p.
[3] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-barbara-mengardo/jabuti-na-pec-45-permite-continuidade-de-fundos-ligados-ao-icms
[4] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/contribuicoes-do-artigo-136-do-adct-e-novos-conflitos-federativos;
[5] Processos 1007159-02.2022.8.11.0041 e 0072087-83.2014.8.11.0000.