O Porto de Santos é o principal do Brasil e da América Latina, movimentando quase 30% de toda a carga transportada pelos portos organizados do país, e tem como um dos seus maiores potenciais a movimentação de contêineres, com crescimento de 14,7% entre 2023 e 2024. Atualmente, quatro terminais têm esse tipo de operação no porto. Mas, em termos de market share, o que se verifica na prática é um clássico cenário de “duopólio mais franja”, com BTP e Tecon Santos (dois terminais “verticalizados”, isto é, controlados por armadores, empresas de transporte marítimo) batendo em quase 80% de participação, enquanto os demais orbitam em torno do que sobra à mesa. Esse cenário pode estar prestes a mudar ou a se agravar com a chegada do Terminal Tecon Santos 10 – e isso vai depender do caminho tomado no edital de leilão para essa nova infraestrutura.
A construção desse novo terminal é essencial, já que as projeções da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) indicam que, mesmo com as expansões planejadas nos terminais existentes e a adição do Tecon Santos 10, ainda haverá déficit de capacidade para atender à crescente demanda por transporte de contêineres.
Projetado para ser o maior terminal do país, com capacidade de movimentação de 3,5 milhões de TEUs (unidade de medida para contêineres) a partir de 2034 e contrato de arrendamento de até 70 anos, o novo terminal irá desempenhar um papel estratégico no comércio internacional brasileiro. E ele tem a possibilidade de alterar substancialmente a dinâmica concorrencial do Porto de Santos no longo prazo.
Por isso, as diretrizes estabelecidas para o edital de arrendamento desse novo terminal devem refletir os objetivos da política portuária nacional e a prioridade atribuída à competitividade no setor.
Caminhos da política pública
O projeto de um novo terminal em Santos teve início em 2013, dentro do Programa Nacional de Arrendamento de Áreas e Instalações Portuárias, mas não avançou; foi retomado em 2019. Depois, ficou paralisado até outubro de 2024, quando o Ministério de Portos e Aeroportos reformulou a proposta, agora chamada Tecon Santos 10.
No Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental feito na gestão anterior, foi apresentada uma análise concorrencial detalhada, que sugeria a proibição da participação de armadores, para limitar o aumento da verticalização existente nesse mercado. No novo estudo para o Tecon Santos 10, essas restrições foram removidas; foi aberta uma nova audiência pública para ouvir a sociedade e, em breve, o formato do edital deverá ser divulgado pelo governo.
Dada a relevância e o porte do terminal, o vencedor da licitação se tornará o maior operador de contêineres do Porto de Santos, impactando significativamente a estrutura competitiva do setor.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
Agora, cabe questionar: qual é o real objetivo do governo com essa licitação? O que se busca é garantir mais competição na licitação ou nos anos após a licitação? A resposta a essa questão definirá os ajustes necessários no edital e os ganhos obtidos pelo governo e redefinirá a dinâmica competitiva do setor portuário brasileiro por décadas.
Se o governo optar por aumentar a concorrência na licitação, estará, consequentemente, adotando uma estratégia de maximização do valor de outorga. Isso significa priorizar ganhos de curto prazo, exigindo um desenho de leilão que reduza ao máximo as barreiras à entrada para atrair o maior número possível de competidores. Essa abordagem fortalece a disputa no leilão e eleva a arrecadação com a concessão.
Contudo, essa estratégia pode gerar preocupações concorrenciais, especialmente se um incumbente do Porto de Santos vencer a licitação, pois isso poderia resultar na concentração de 40% a 60% da capacidade total de movimentação de contêineres do porto, dependendo do vencedor. Além disso, caso armadores vençam a licitação, surgem outras preocupações no período pós-leilão, como o risco de práticas de self-preferencing por terminais verticalizados. Este é um problema já reconhecido pela Antaq e que se intensificará ainda mais com a concentração de mercado. Neste setor, quem escolhe o terminal de parada é notoriamente o armador e não o proprietário da carga.
Embora exista previsão legal para mitigar riscos de concentração excessiva – como a exigência de que a concessionária disponibilize novas áreas para operação portuária caso ultrapasse 40% de participação de mercado – o processo de arrendamento do Tecon Santos 10 demonstra que implementar tais correções pode ser um processo lento e custoso.
A demora na solução de problemas decorrentes de um desenho inadequado da licitação pode gerar perdas em toda a economia, uma vez que há uma relação direta entre elevada concentração de mercado e aumento de preços para os consumidores. Elevações nos custos logísticos impactam não apenas as empresas, mas toda a população e a cadeia de comércio, aumentando os preços de importação e exportação e afetando a economia nacional como um todo.
Vale dizer que a competitividade no leilão não impacta diretamente a qualificação técnica dos participantes, pois o próprio edital já impõe critérios para assegurar arrendatários capacitados. Entre as exigências financeiras e técnicas, estão uma garantia mínima de R$444 milhões, capital social mínimo de R$1,1 bilhão e a pré-qualificação como operadora portuária, conforme requisitos específicos do Porto de Santos, que incluem comprovação documental de regularidade fiscal, idoneidade financeira e capacidades jurídica e técnica. Além disso, a remuneração à Administração do Porto será contínua, com um arrendamento fixo mensal de R$2,4 milhões e um arrendamento variável de R$19,73 por TEU durante o prazo de arrendamento, garantindo fluxo de receita além do valor da outorga.
Por outro lado, se o governo priorizar a competição pós leilão, ela estará privilegiando um desenho de leilão que evita a excessiva concentração de mercado. Essa estratégia pode resultar em um menor valor de outorga, mas tende a garantir um mercado mais competitivo no longo prazo.
Um mercado logístico menos concentrado oferece diversas vantagens, como a redução de preços ao consumidor, beneficiando diretamente as cadeias produtivas e o comércio. Além disso, proporciona uma maior variedade de serviços e operadores, estimulando a eficiência e a inovação no setor. Outro aspecto fundamental é a diminuição da probabilidade de abuso de poder de mercado, mitigando práticas anticompetitivas e garantindo condições mais justas de concorrência.
O caminho a ser tomado não precisa, necessariamente, ser polarizado. No desenho do leilão STS10, para preservar a concorrência futura, a então Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) sugeriu a adoção de restrições específicas. A proposta previa um leilão em três rodadas: na primeira, seriam excluídos grupos econômicos que criem ou ampliem posição dominante acima de 20% do mercado, além de restringir a participação de agentes com 30% ou mais nos mercados a montante ou jusante; na segunda, a participação seria liberada, exceto para aqueles que simultaneamente elevem posição dominante e detenham 30% ou mais nos mercados relacionados; e, na terceira, haveria plena liberalização da participação.
Dessa forma, a sugestão conciliava os dois tipos de incentivos do governo ao não impor barreiras adicionais à entrada e ao garantir um ambiente devidamente competitivo, sem comprometer o interesse de potenciais participantes ou o sucesso do leilão.
Ao tomar sua decisão, o governo precisa, assim, ponderar qual abordagem trará os melhores resultados para a sociedade: buscar um alto valor de outorga e enfrentar os desafios concorrenciais no pós-licitação; ou reduzir o valor arrecadado no leilão em favor de um mercado mais competitivo e eficiente no longo prazo.
A decisão entre priorizar a concorrência no leilão ou após a licitação terá um impacto direto nos ajustes do edital de arrendamento do Tecon Santos 10, moldando a estrutura competitiva do setor portuário e influenciando o comércio internacional brasileiro por décadas.
As opiniões expressas neste artigo são dos autores, responsáveis pela redação do JOTA. A LCA Consultoria Econômica desenvolveu um estudo sobre os aspectos competitivos do leilão do Tecon 10 sob encomenda da ICTSI, apoiadora desta seção.