Divulgados nesta sexta-feira (6/6), os dados de religião do Censo Demográfico de 2022 confirmam uma das transformações sociais mais profundas em curso no país: o avanço das igrejas evangélicas e o encolhimento do catolicismo. Embora a transição religiosa siga ativa — e seja considerada uma das mais relevantes do mundo contemporâneo —, o ritmo de mudança desacelerou em comparação às décadas de 1990 e 2000.
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Com a aproximação das eleições de 2026, o peso político dos evangélicos volta ao centro do debate nacional. Mas os novos dados lançam luz sobre uma realidade mais complexa do que se imaginava. A expansão desse grupo religioso, antes vista como acelerada e inevitável, perdeu fôlego. O que esses dados explicam sobre a última disputa eleitoral? E, mais importante: quais os sinais que essa transição religiosa mais lenta envia sobre o futuro político do país?
A expansão evangélica vem sendo usada como base de estratégias eleitorais conservadoras. Um crescimento mais lento pode implicar em revisão dessas estratégias, especialmente por partidos do centrão e da direita.
Evolução da distribuição religiosa
A transição religiosa segue em curso, mas perdeu força. O ritmo do avanço evangélico contraria as projeções de especialistas, que previam uma intensificação do fenômeno com base nos Censos anteriores, no crescimento do número de CNPJs ligados a igrejas e em pesquisas de opinião, que já apontavam que os evangélicos teriam ultrapassado os 30% da população brasileira.
A mudança no ritmo de crescimento evangélico tem implicações diretas na política, na cultura e na disputa por valores no espaço público. O avanço das igrejas vinha reconfigurando bases eleitorais, influenciando políticas públicas e alterando o peso relativo de diferentes vozes no debate nacional. A freada no processo pode redesenhar estratégias partidárias e desafiar previsões sobre o futuro da representação religiosa no Brasil.
Os novos dados do IBGE mostram que os evangélicos representam 26,9% da população brasileira — um avanço de 5,2 pontos percentuais em relação a 2010, quando eram 21,6%. Apesar de significativo, o crescimento é menor do que o registrado entre 2000 e 2010 (6,5 pontos) e entre 1990 e 2000 (6,1 pontos), indicando uma desaceleração no ritmo de expansão. Esse freio é ainda mais evidente considerando que o intervalo entre os dois últimos Censos foi de 12 anos, e não de 10, como nas comparações anteriores.
Entre os católicos, a tendência de queda se mantém: a proporção caiu de 65,1% para 56,7% da população ao longo da última década — uma redução de 8,4 pontos percentuais. Embora expressiva, a perda foi ligeiramente menor do que nos ciclos anteriores: 8,8 pontos entre 2000 e 2010 e 9 pontos entre 1990 e 2000 (veja gráfico abaixo).
Religião e votação em 2022
No primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu 57,2 milhões de votos (48,4%), enquanto Jair Bolsonaro (PL) teve 51,1 milhões (43,2%), com uma razão de votos (RLB) de 1,12 a favor de Lula. No segundo turno, a disputa ficou mais acirrada: Lula chegou a 60,33 milhões de votos (50,9%) e Bolsonaro, a 58,2 milhões (49,1%), reduzindo a razão para 1,03.
Esses votos, porém, não se distribuíram de maneira homogênea: houve variações marcantes entre regiões, estados, cidades e também de acordo com as diferentes opções religiosas do eleitorado. Há uma forte relação entre o desempenho dos candidatos e a participação dos diferentes grupos religiosos em cada estado.
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O gráfico testa a relação entre o desempenho relativo de Lula sobre Bolsonaro (RLB) e a composição religiosa dos estados, com base nos dados do Censo Demográfico 2022 do IBGE. A variável REC — que expressa a razão entre a população evangélica e a soma de católicos e sem religião — serve como indicador central. Os resultados mostram que estados com maior presença proporcional de evangélicos tendem a favorecer Bolsonaro, enquanto aqueles com predominância de católicos e pessoas sem religião mostram vantagem para Lula.
Os gráficos dos dois turnos das eleições de 2022 mostram, por meio de uma curva logarítmica, uma relação inversa entre o desempenho de Lula e a proporção de evangélicos em cada estado. O modelo estatístico, com R² de 73%, indica que a presença evangélica está fortemente associada a uma votação maior em Bolsonaro (RLB menor que 1). Embora a religião não tenha sido o único fator em jogo na última eleição presidencial, sua influência sobre os resultados agregados é significativa e difícil de ignorar.