A Lei 10.406/2002, conhecida como Código Civil (CC/02), contém 2.046 artigos, dos quais o artigo 2.028 e os seguintes tratam das disposições finais e transitórias. Portanto, o direito material está disciplinado do artigo 1º ao 2.027. A organização sistemática do Código Civil, de forma bem sintetizada, pode ser apresentada da seguinte maneira: inicia-se pela Parte Geral – Livro I –, que trata das pessoas, personalidade e capacidade jurídica.
Logo na sequência, o legislador optou por abordar as pessoas jurídicas de direito público e privado, ambas consideradas entes abstratos, ou seja, ficções jurídicas. Em seguida, trata dos bens, com suas diversas classificações. Ainda na Parte Geral, o CC/02 disciplina os fatos, atos e os negócios jurídicos, bem como os institutos da prescrição, da decadência e da prova.
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Ato contínuo, o CC/02 passa a dispor sobre a Parte Especial, iniciando com o Direito das Obrigações, abordando suas diversas formas, até a sua extinção. Na sequência, trata dos contratos, destacando sua pluralidade e diversidade de espécies. Logo após, são disciplinados os títulos de crédito.
Outro tema abordado, também considerado uma ficção jurídica, é o Direito de Empresa, com suas diversas formas, tanto aquelas dotadas de personalidade jurídica quanto as que não a possuem. Trata-se de um tema amplo, que abrange aspectos como constituição, administração e dissolução da empresa.
Após disciplinar o Direito de Empresa, o CC/02 inicia o tratamento do Direito das Coisas, abordando temas como posse, aquisição e perda da posse, além dos direitos reais, adentrando no Direito de Propriedade, suas formas de aquisição, obrigações e perda. Após tratar de diversos subtemas — como os direitos reais sobre coisa alheia, a exemplo do usufruto, e os direitos reais de garantia, como a hipoteca —, o código passa a tratar do Direito de Família.
Nesse particular, disciplina assuntos como o casamento, os regimes de bens, as causas suspensivas, a invalidade e a dissolução do matrimônio, além da proteção dos filhos, o parentesco e a filiação, a adoção, a tutela e a curatela.
Por fim, o CC/02 passa a tutelar o Direito das Sucessões, abordando a herança, a administração dos bens do espólio, o testamento e encerrando com o assunto da partilha.
De forma muito sucinta, esse é o resumo da organização sistemática do Código Civil brasileiro.
Essa exposição visa demonstrar que o Código Civil brasileiro de 2002, intensificou e destinou seu olhar para o “ser”, para o indivíduo, valorizando o princípio da dignidade da pessoa humana, centralizando-o no direito.
Contudo, a sistematização apresentada também revela que o referido Codex se estrutura em um formato cíclico da vida: inicia-se com o ser — a pessoa — e encerra-se com o ser sendo sucedido, o que parece refletir uma síntese normativa do próprio ciclo da vida.
Mesmo com o PL 4/2025, que visa instituir um novo Código Civil, percebe-se a manutenção dessa diretriz. A proposta legislativa inclui o Livro VI, que trata do Direito Civil Digital, e declara, já em sua justificativa, o objetivo de “preservar a dignidade das pessoas”. Um exemplo é o Capítulo II do referido livro, intitulado “Da Pessoa no Ambiente Digital”, que estabelece que “são direitos das pessoas, naturais ou jurídicas, no ambiente digital”.
O Capítulo III dispõe sobre situações jurídicas envolvendo pessoas naturais, e, na sequência, o Capítulo IV, ao tratar do “direito ao ambiente digital transparente e seguro, estabelece a proposta de lei, que: as plataformas devem demonstrar adoção de medidas de diligência para garantir a conformidade dos seus sistemas e processos com os direitos da personalidade”.
O patrimônio digital, abordado previamente no Capítulo V, também é vinculado aos bens existentes em formato digital pertencentes à pessoa. O texto legal propõe, inclusive, que “os direitos da personalidade que se projetam após a morte, constantes do patrimônio essencial e personalíssimo, tais como privacidade, intimidade, imagem, nome, honra e dados pessoais”, deverão observar a legislação vigente.
No Capítulo VI do Projeto de Lei 4/2025, dispõe sobre a presença e a identidade de crianças e adolescentes no ambiente digital, mais uma vez visando a tutela da pessoa natural. O Capítulo VII, ao tratar do tema da inteligência artificial, estabelece que seu desenvolvimento deve “respeitar os direitos da personalidade”.
Já o Capítulo VIII prevê a celebração de contratos por meios digitais, o que, por certo, envolve a autonomia da vontade das partes, a boa-fé, bem como valores como “honestidade, transparência, probidade, cooperação e lealdade” — todos aspectos de natureza subjetiva que o agente, enquanto ser, deve observar.
O PL 4/2025 ainda disciplina, nos Capítulos IX e X, as assinaturas eletrônicas e os atos notariais eletrônicos, ambos destinados à atuação de pessoas naturais (sem prejuízo dos atos praticados em nome de pessoas jurídicas).
O projeto se encerra com a redação do artigo 2.039, que trata das novas regras relativas ao regime de bens, e do artigo 2.041, que dispõe sobre “as alterações procedidas na ordem da vocação hereditária, na concorrência sucessória e na condição de herdeiros necessários”.
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O Código Civil brasileiro de 2002 sistematizou e normatizou o ciclo da vida. O sujeito nasce, se desenvolve, adquire bens, contrai obrigações — de diversas formas e naturezas —, constitui vínculos familiares, cria e extingue relações jurídicas, insere-se em ambientes de ficção jurídica, como os entes estatais, ou, se desejar, cria sua própria ficção jurídica, ao constituir pessoas jurídicas de direito privado (artigo 44, CC).
Adquire coisas, bens, patrimônio; pode gozar da posse ou da propriedade e, de forma singela, após o transcurso do tempo e da vida, tudo aquilo que adquiriu ou viveu retorna o olhar para o sujeito — o ser —, que, com sua morte, dá início à sucessão. Inicia-se, então, o processo de inventário para, ao fim e ao cabo, reiniciar-se um novo ciclo da vida civil, normatizado pelo Código Civil.
Em outras palavras, seja o Código Civil de 2002 ou o PL 4/2025, o Codex civilista, ele se inicia com o ser e transcorre por mais de 2.000 artigos para encerrar tratando do ser.
Por fim, o Codex civilista brasileiro guarda mais relação com o ciclo da vida — que busca normatizar — do que com qualquer outra dimensão que discipline. Assim, parafraseando Kant, se o sujeito é um fim em si mesmo, à luz do Código Civil brasileiro, ele é também um início e um fim em si.