Logo após a introdução do art. 28 à LINDB, que limita a responsabilização pessoal dos agentes públicos aos casos de dolo ou erro grosseiro, o TCU construiu entendimento no sentido de que a regra afastaria apenas a responsabilidade punitiva, mas não se aplicaria ao dever de ressarcimento. Segundo pesquisa desenvolvida pelo Observatório do TCU, a eficácia do art. 28 da LINDB foi mitigada porque acabou não incidindo em casos envolvendo dano ao erário[1].
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Esse entendimento ajuda a compreender as motivações para a edição da MP 966, em 2020, para dispor sobre a responsabilização dos agentes públicos no combate à pandemia de Covid-19. Apesar da redação análoga ao art. 28 da LINDB, há relevante diferença redacional: a MP 966/2020 faz expressa referência à responsabilização na “esfera civil” por dolo ou erro grosseiro.
Dessa forma, o ressarcimento estaria plenamente albergado na cláusula de proteção do gestor público honesto em tempos de pandemia, conferindo maior segurança para decidir quando o erro (honesto) é certo.
O art. 28 da LINDB requer uma leitura mais ampla, que compreenda a responsabilização como um todo. Do contrário, a finalidade de conferir ao gestor público honesto conforto decisório e minimizar o chamado “apagão das canetas” cairia por terra. O TCU dá sinais de mudança de seu entendimento sobre o art. 28 em direção para essa leitura mais ampla, como bem assinala André Rosilho[2].
No Acórdão 866/2025, o TCU reconheceu a inexigibilidade de conduta diversa no pagamento integral antecipado, “sem as devidas cautelas administrativas”, de trezentos ventiladores pulmonares, que não foram entregues. Sem deixar de reconhecer a necessidade de reparação, o TCU afastou a responsabilidade dos gestores públicos e determinou a obrigação de ressarcimento apenas à contratada, que se beneficiou dos pagamentos sem honrar com o contrato.
No Acórdão 1460/2025, o TCU afastou a imputação de débito também com base na inexigibilidade de conduta diversa de ex-prefeito, que homologou contratos emergenciais em cenário de colapso da saúde pública municipal e tendo que enfrentar crise sanitária da gripe H1N1.
A linha da inexigibilidade de conduta diversa mostra-se oportuna para exame da responsabilização justamente por determinar o exame das circunstâncias reais, em prestígio ao art. 22 da LINDB. É fundamental que os gestores públicos dediquem esforços à motivação administrativa – nas palavras do ministro Antônio Anastasia, “só a motivação salva”[3].
A inexigibilidade de conduta diversa foi trabalhada como se a situação fática criasse uma vinculação, de modo que apenas a decisão tomada seria cabível, o que levou ao afastamento do erro grosseiro e, consequentemente, da sanção e do ressarcimento. Porém, e nas situações em que remanescer a discricionariedade?
Ambas as decisões trabalham para a releitura do art. 28 da LINDB no âmbito do TCU, mais sensível às circunstâncias fáticas e comprometida com a efetiva proteção do gestor público honesto. É um avanço. Para além de casos extremos como os apresentados, cabe trazer esse entendimento para o dia a dia da gestão pública, assim como clarificar na jurisprudência que o erro honesto não pune e nem gera débito: pode ser bem-vindo para o aprendizado institucional e para lidar com as situações mais desafiadoras.
[1] André Rosilho e Mariana Villela (coord.). Aplicação dos Novos Dispositivos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) pelo Tribunal de Contas da União. São Paulo: FGV Direito SP, 2021. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://direitosp.fgv.br/sites/default/files/2022-03/relatorio-de-pesquisa_observatorio-do-tcu_aplicacao-dos-novos-dispositivos-da-lindb-pelo-tcu.pdf. p. 11.
[2] Nova Leitura do Artigo 28 da LINDB pelo TCU. Conjur, 31 de julho de 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jul-31/nova-leitura-do-artigo-28-da-lindb-pelo-tcu/.
[3] Seminário Sete Anos da Nova LINDB: balanço e desafios para o Estado brasileiro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5AQBt83csSA.