As políticas públicas de inovação são os pontos fora da curva das políticas públicas em geral, afinal elas agem de maneira distinta aos resultados e impactos que se propõem. Como diz um dos maiores especialistas em compras públicas no Brasil, André Rauen, a intervenção ocorre sobre um agente que é estimulado a produzir resultados[1], ao contrário de uma política pública que se dispõe a resolver outros tipos de problema, cujas intervenções produzem os próprios resultados.
Nessa toada, ainda que todo o ciclo de políticas públicas para a inovação precise ser entendido de maneira distinta, a avaliação de políticas públicas de inovação é o maior dos desafios. Se no estudo das políticas públicas em geral, a avaliação é a etapa mais complicada, considerando que muitas vezes faltam parâmetros objetivos para determinar se uma política pública cumpriu seu papel e resolveu o problema a que se propôs, e que podem faltar instrumentos para aferir adequadamente os resultados pretendidos, imagine-se a avaliação de políticas públicas que operam em sentido contrário.
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Não se pode, contudo, prescindir da avaliação de políticas públicas de inovação, afinal se a política pública é a resposta a um problema político, ela é essencial para se determinar se esse problema foi resolvido ou não. Toda a dinâmica do ciclo de políticas públicas (amplamente tratada em diversos campos do conhecimento, do direito à ciência política), carece de uma boa avaliação.
Já se vão quase 40 anos, mas nas palavras de Figueiredo e Figueiredo (1986) avaliar é atribuir valor, determinar se as coisas são boas ou más. Para tanto, é necessário estabelecer critérios de avaliação para aferir porque uma política é preferível a outra. A relevância de uma política deve ser determinada a partir de sua conexão com algum princípio de bem estar humano. Assim, avaliação sempre terá um caráter complexo e controverso[2].
A avaliação de iniciativas de fomento à inovação, no entanto, apresenta particularidades que diferenciam seu processo de execução, divulgação e replicação. A questão da avaliação de políticas públicas é tão complexa, que o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do Ministério do Planejamento e Orçamento não possui entre as áreas que possuem políticas públicas avaliadas, uma destinada à inovação.
Ainda observando os mecanismos e manuais governamentais de avaliação de políticas públicas, o Guia prático de análise ex post, criado pela Casa Civil da Presidência da República em 2018[3], se propõe a oferecer aos gestores públicos, aos estudiosos do tema, aos órgãos de controle, e a qualquer interessado em avaliação de políticas públicas, instrumentos e mecanismos para a avaliação. O manual é dividido em diversos tipos de avaliação: (i) executiva; (ii) de desenho; (iii) de implementação; (iv) de governança da política pública; (v) de resultados; (vi) de impacto; (vi) econômica; e (vii) de eficiência. Veja-se que diferentes aspectos da avaliação de uma política pública são levados em consideração.
Cada um dos tipos de avaliação possui um estudo de caso, como o Bolsa Família na governança da política pública, ou o Programa de Aquisição de Alimentos na implementação; ou ainda o Minha Casa Minha Vida na avaliação de resultados. Não é de se estranhar que nenhum dos casos utilizados seja de uma política pública de inovação. Nem mesmo o Tribunal de Contas da União, com seus Relatórios de Fiscalizações em Políticas e Programas de Governo[4], avalia políticas públicas de inovação.
O Estado, portanto, enfrenta grande dificuldade em relação a essas políticas públicas. Como trouxe Rauen, a política de inovação se diferencia das demais políticas públicas em cinco aspectos fundamentais, quais sejam: (i) os próprios conceitos ainda não são claros e consolidados; (ii) os impactos indiretos e imprevistos derivados da intervenção podem ser superiores àqueles inicialmente planejados e diretos; (iii) os instrumentos apenas influenciam os agentes (empresas, institutos de pesquisa e pesquisadores), a política age sempre de forma indireta e a decisão final depende da adequação ao mercado; (iv) alta complexidade e múltiplas relações de causa e efeito inerentes ao processo inovativo; e (v) atua num contexto de elevada assimetria de informação entre planejadores (policy makers) e executores.
A ausência ou a deficiência na realização de avaliação de políticas públicas de inovação acaba por impactar seus resultados. Sem dados que comprovem que a inovação resolve de fato problemas, o gestor público tem dificuldades em inserir mais políticas de inovação na agenda de determinado governo. As iniciativas inovadoras se tornam escassas, sem um encadeamento lógico, e pior, sem um planejamento conjunto que propicie de fato realizações inovadoras.
No entanto, a necessidade de uma boa avaliação das políticas de inovação é imperativa. O Brasil não pode se colocar à margem das políticas de inovação por não conseguir avaliá-las. É necessário criar mecanismos, manuais, normativos, definir inclusive instâncias de avaliação de políticas públicas de inovação para que se possa efetivamente criar um arcabouço jurídico-legal que impulsione a inovação no país.
É possível seguir pelo caminho da meta-avaliação, como trouxe André Rauen, mas o ideal é que se busque uma avaliação calcada em modelos e mecanismos que sigam os processos metodológicos mais tradicionais. Veja-se que mesmo que a política pública seja distinta das outras, sua avaliação precisa obedecer parâmetros metodológicos, sob pena de não cumprir seu papel efetivo.
Por fim, se hoje a avaliação de políticas públicas no país tem metodologia, mas não tem um responsável específico, as políticas de inovação sequer metodologia possuem. Uma força-tarefa conjunta dos órgãos vinculados à inovação no Brasil, precisam se unir para assegurar uma avaliações independentes, legítimas e que busquem cada vez mais auxiliar o desenvolvimento do Brasil.
[1] RAUEN, André Tortato. Desafios da avaliação em políticas de inovação no Brasil. Revista do Serviço Público – RSP, v. 64, n. 4, p. 427-445. Out-2013. Disponível em http://seer.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/131/131. Acessado em 07/08/2025.
[2] FIGUEIREDO, Marcus e FIGUEIREDO, Argelina C. “Avaliação Política e Avaliação de Políticas: Um Quadro de Referência Teórica”, Revista Fundação João Pinheiro: 108-129. 1986.
[3] Guia prático de análise ex post. Disponível em https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/downloads/guiaexpost.pdf/view. Acessado em 07/08/2025.
[4] O relatório referente a 2024 encontra-se disponível em https://portal.tcu.gov.br/publicacoes-institucionais/relatorio-de-fiscalizacao/relatorio-de-fiscalizacoes-em-politicas-e-programas-de-governo-repp.