Dona Maria chegou cedo ao fórum da sua cidade para acompanhar o julgamento de Pedro, que, há dez anos, praticou o homicídio contra Ana, a filha mais nova de Dona Maria, com a qual ele mantinha um relacionamento amoroso, conturbado e violento. Sentada, ela observou, ansiosa e atentamente, o juiz e sete pessoas da comunidade (jurados), além do promotor e do advogado, com diversas narrativas sobre os fatos e pedaços de uma trajetória marcada por sofrimento e laços desfeitos.
Estes são personagens fictícios de uma história, igualmente, simulada, mas que remete a tantas histórias reais de julgamentos que ocorrem em um Tribunal do Júri.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
O Tribunal do Júri é um órgão especial do Judiciário, responsável pelo julgamento dos crimes dolosos contra a vida, ou seja, aquela espécie de crime em que o agente, mediante sua ação ou omissão, tem a intenção de matar ou assume o risco de causar a morte de alguém. Estes crimes estão no centro da proteção de bens jurídicos, pois dizem respeito ao que há de mais valioso para nós: a vida e a liberdade.
Por isso, a Constituição Federal brasileira estabelece o júri no capítulo dos direitos fundamentais, individuais e coletivos (artigo 5º, inciso XXXVIII), atribuindo-lhe características singulares: a plenitude de defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos. O júri corresponde a um verdadeiro instrumento de participação direta do povo no Judiciário, pois são integrantes da comunidade, precisamente sete jurados, que decidem o destino daquela pessoa que violou um dos bens mais elementares do pacto civilizatório: a vida humana.
Pensando na relevância dessa matéria para toda a sociedade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu, em 2017, o mês de novembro como o Mês Nacional do Júri, com o objetivo de garantir o esforço concentrado de julgamento dos crimes dolosos contra a vida (Portaria CNJ 69/2017). Essa política judiciária fixou diretrizes e ações para garantir a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação, nos termos da legislação nacional vigente e das normas internacionais de direitos humanos sobre o tema.
Uma das principais ações, em 2025, é a realização, em novembro, em todas as unidades das comarcas com competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida, de, ao menos, uma sessão do Tribunal do Júri, em cada dia útil da semana, com preferência às ações penais de: a) réus presos; b) feminicídios (contra mulher); c) com vítimas menores de 14 anos de idade; d) praticados por e contra policiais militares; e) aquelas em andamento há mais de cinco anos; e f) aqueles processos que aguardam segundo julgamento.
Pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça e veiculada no Mapa Nacional do Tribunal do Júri demonstra que há mais de 90 mil ações tramitando no Brasil, relativas a esses temas específicos. De modo geral, cerca de 210 mil processos aguardam julgamento nos Tribunais do Júri. Apenas entre janeiro e agosto deste ano, foram julgados 43.406 casos.
Paralelamente, consoante dados do Atlas da Violência 2025, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil acumulou, entre 2013 e 2023, mais de 598 mil homicídios registrados, que somados aos homicídios ocultos (cujas causas básicas o Estado não identificou) do mesmo período, chegam ao total de 650.007 homicídios no país.
Neste contexto, extrai-se a importância do Mês Nacional do Júri e das outras iniciativas que o CNJ vem desenvolvendo junto aos tribunais. Entre elas, como dito acima, está o Mapa Nacional do Tribunal do Júri. Essa ferramenta de gerenciamento permite consultar o acervo processual nos Tribunais de Justiça, com informações sobre a situação e a etapa processual de cada caso. Isto garante uma maior transparência, identificação de gargalos, eficiência e celeridade na tramitação dos processos que estão em julgamento no Tribunal do Júri.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
Além desse mapa, o CNJ estabeleceu que os tribunais adotem outras medidas, como a realização de mutirões e forças-tarefas; capacitação permanente de magistrados e servidores; e criação de grupo de trabalho para analisar o acervo processual com a identificação das causas de morosidade e proposição de ações concretas para a aceleração dos julgamentos.
Esse conjunto de iniciativas é imprescindível para assegurar a efetividade da Justiça e a celeridade na tramitação dos processos de competência do Tribunal do Júri, de modo a fortalecer a confiança da sociedade no Poder Judiciário.
Portanto, o Mês Nacional do Júri é uma política que, para além de “novembros”, informa a atuação do Judiciário em todo o ano. É uma iniciativa que reforça o compromisso do Judiciário com os direitos humanos e a duração razoável dos processos. Afinal, a sociedade tem uma expectativa legítima de que a Justiça dê respostas rápidas e eficazes aos crimes contra a vida. Essa é uma das entregas mais sensíveis do Judiciário para Dona Maria e para tantas outras pessoas nela simbolizadas.