O agravamento da crise climática impõe uma redefinição das responsabilidades institucionais no Estado brasileiro. Entre os atores públicos chamados a exercer papel de protagonismo, o Ministério Público ocupa posição singular.
Dotado de prerrogativas constitucionais únicas no mundo, o MP brasileiro tem competência não só para investigar e promover a responsabilização em casos de violações a direitos difusos e coletivos, mas também de fiscalizar e atuar de forma preventiva e extrajudicial, inclusive fomentando o aprimoramento de políticas públicas. Associada à estabilidade e à autonomia funcional dos seus membros, essa conformação institucional faz do MP um agente estratégico na defesa do meio ambiente e na garantia do direito fundamental a um clima estável.
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Atualmente, o MP responde pela enorme maioria das demandas judiciais ambientais no país, com uma atuação amplamente reconhecida no combate ao desmatamento, na proteção da fauna e das águas. A pauta climática, no entanto, tem se colocado como um desafio marcado pela urgência e pela complexidade, já que frequentemente depende de soluções interdisciplinares, inovadoras e estratégicas.
Nesse sentido, uma atuação ainda mais efetiva no combate à crise climática passa, necessariamente, pelo estabelecimento de metas prioritárias e objetivos claros, que possam orientar a atuação coordenada dos membros do MP em prol da mitigação, da adaptação e da justiça climática.
Trata-se de reflexão que vem sendo promovida e amadurecida nos últimos anos em diversos eventos e fóruns, com a importante colaboração do Conselho Nacional do Ministério Público, da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, dos Centros de Apoio Operacionais dos Ministérios Públicos estaduais e de organizações da sociedade civil.
É nesse contexto que a Abrampa (Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente) propõe 10 Medidas Prioritárias para a Estabilidade Climática. Publicado no primeiro dia oficial da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, que acontece neste mês em Belém, o documento sintetiza uma agenda propositiva do Ministério Público brasileiro para o horizonte até 2030.
Entre as medidas destacam-se (i) o fortalecimento do licenciamento ambiental e o combate aos retrocessos introduzidos pela recente Lei Geral do Licenciamento e pela Medida Provisória 1.308/2025; (ii) a valorização do planejamento territorial e ambiental estratégico; (iii) o controle rigoroso do desmatamento; (iv) o aprimoramento do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Sinaflor; e (v) a promoção da transparência e da interoperabilidade dos sistemas de informação ambiental. São temas centrais que, se adequadamente trabalhados, podem compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação do sistema climático.
A agenda propõe, ainda, que o MP apoie políticas de transição energética justa, fiscalizando a destinação de subsídios públicos e assegurando que a descarbonização da economia ocorra de modo socialmente inclusivo.
A repressão aos ilícitos ambientais continua a ser prioridade, com ênfase em atuações em regime de força-tarefa, que devem buscar incluir soluções de tecnologia, como é o caso dos sistemas de sensoriamento remoto e imagens de satélite, para dar efetividade à tríplice responsabilização (cível, administrativa e penal) e à reparação integral dos danos climáticos, reconhecidos como dimensão específica do dano ambiental.
Além disso, a atuação ministerial deve reforçar a demarcação de terras indígenas, titulação de territórios quilombolas e implementação efetiva das unidades de conservação, reconhecendo o papel desses espaços na manutenção dos serviços ecossistêmicos e na absorção de carbono.
É fundamental, ainda, assegurar a existência das estruturas institucionais e de governança e o financiamento necessário para que esses espaços atinjam, de fato, as finalidades para as quais foram criadas, de modo a equacionar conflitos territoriais, combater o desmatamento ilegal e a grilagem de terras públicas no Brasil.
Outro eixo central é o da adaptação climática. O Ministério Público já tem exigido a elaboração e implementação de planos municipais e estaduais de adaptação com metas, indicadores e orçamento próprios, garantindo transparência e participação social. Essa linha de atuação é essencial para reduzir vulnerabilidades regionais e proteger populações expostas a riscos climáticos que já afetam milhões de pessoas em todo o país.
Por fim, destaca-se a promoção da justiça climática e o enfrentamento do racismo ambiental como dimensão transversal da atuação ministerial. A defesa do meio ambiente e do clima não pode reproduzir desigualdades históricas, mas deve contribuir para corrigi-las, assegurando a proteção de grupos tradicionalmente marginalizados.
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Sem dúvida, o Ministério Público brasileiro é uma instituição essencial para assegurar a transição para uma sociedade de baixo carbono, capaz de articular ciência, direito e justiça social. A instituição tem desempenhado um importante papel, contribuindo para que o Brasil cumpra seus compromissos climáticos e seja capaz de construir um futuro ambientalmente sustentável e socialmente justo.
Às vésperas da Conferência Global do Clima da ONU, quando se esperam compromissos internacionais com metas climáticas mais ambiciosas e propostas de equacionamento de questões como financiamento climático e transição energética, o fortalecimento dessa atuação coordenada e estratégica é indispensável para que a instituição possa se fortalecer no papel de guardião dos direitos das presentes e futuras gerações.

