Relação entre plataformas digitais e trabalhadores será definida pelo Supremo Política, AGU (Advocacia-Geral da União), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Rappi, STF (Supremo Tribunal Federal), Uber CNN Brasil
As empresas Uber e Rappi, 99, InDrive, pessoas físicas e entidades de trabalho se manifestaram nesta quarta-feira (1º) em dois julgamentos que analisam a relação de trabalho entre as plataformas digitais e motoristas e entregadores que usam os aplicativos no STF (Supremo Tribunal Federal).
A sessão também foi a primeira do ministro Edson Fachin como novo presidente do Supremo. O caso da Rappi Brasil é analisado no RCL (Reclamação) 64018, enquanto o processo da Uber se trata do RE (Recurso Extraordinário) 1446336 — este último tem repercussão geral reconhecida.
Nos dois casos, as empresas contestam decisões da Justiça do Trabalho, por reconhecer o vínculo empregatício e determinar o cumprimento da legislação trabalhista.
Julgamento da Rappi
No primeiro julgamento, o advogado Márcio Vitral, que faz a defesa da Rappi Brasil, afirmou que a empresa é apenas uma plataforma digital e que não comercializa bens nem realiza o transporte de pessoas.
Vitral alegou que não existe subordinação na relação entre a plataforma e os prestadores de serviços. “Não há os pressupostos legais das relações de emprego”, disse.
O advogado também avaliou que alegar “subordinação algorítmica é ir longe demais”. Segundo ele, não há previsão desse argumento na legislação brasileira. Também justificou que os trabalhadores têm autonomia para exercer seus serviços.
Em posicionamento contrário, o advogado Mauro de Azevedo Menezes, da parte recorrida, sustentou que a própria empresa se apresenta em seu site como plataforma de “transporte e tecnologia”.
Menezes justificou que quem estipula os valores do serviço é a própria empresa. “Se o entregador recursar a viagem seguidamente, ele recebe sanções, isso foi detectado na instrução processual”.
Segundo ele, a relação de não existe insubordinação é “ilusória” e também afirmou que o trabalhador se mantém sob pressão.
“A subordinação algoritmia não é uma fantasia. Ela é algo concreto que está previsto no artigo 6º da CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas]. Hoje a subordinação não se dá no contato direto, no contato concreto, se dá sim nos meios tecnológicos”, acrescentou Menezes.
“Nós temos que lembrar que o nosso sistema de previdência e de muitas políticas públicas está relacionado ao emprego”, justificou. Segundo o advogado da parte recorrida, a “plataformização” do trabalho não se passa apenas pelo setor de transporte e deve atingir também e pode se espalhar por toda a economia.
Representando a Fiergs (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul), o advogado Eugênio Hainzenreder Júnior alegou que o caso deve ser interpretado pela Constituição a partir do entendimento da livre iniciativa.
“Decisões [favoráveis ao reconhecimento empregatício] podem comprometer, e muito, o desenvolvimento de novas plataformas, como em serviços de saúde e educação”, justificou. Segundo Hainzenreder, a situação em questão se trata de novas relações de trabalho e que não podem ser aplicadas normas antigas.
Já na visão do advogado da CUT (Central Única dos Trabalhadores) Ricardo Carneiro, os trabalhadores que atuam por meio de plataformas buscam flexibilidade do horário do trabalho, situação que já é prevista na CLT em contratos de trabalho intermitente.
Em razão disso, defende que os trabalhadores devam estar assegurados pela proteção das leis trabalhistas. Carneiro também alegou que a subordinação pode ser verificada pelo fato de que o motorista faz reconhecimento fácil para começar a operar e é remunerado por suas entregas.
Julgamento da Uber
No segundo julgamento, que tem percussão geral reconhecida, a advogada da Uber, Ana Carolina Caputo Bastos, argumentou que o modelo da empresa não é novo no Brasil e que a companhia apenas atua como intermediário entre motoristas e passageiros. “A diferença é que existe o apoio da tecnologia”, alegou.
Segundo a advogada, a Uber desenvolveu o software em que os clientes e os motoristas aderem de forma voluntária. Assim, justificou que se trata de um novo modelo de negócio.
Na sustentação oral, a defensora disse que uma pesquisa aponta que 2 milhões de motoristas usam a plataforma, e a maioria é de homens negros e idade média de 41 anos. Segundo a mesma pesquisa citada, o tempo médio de trabalho é de 21 horas por semana. “Um modelo diferente do trabalho CLT atual”, disse.
Para Caputo, se for reconhecido o vínculo trabalhista, pode diminuir 54% dos postos de trabalho e aumentaria os preços das corridas. Ela ainda frisou que esses trabalhadores são contribuintes individuais, modalidade existente na legislação.
“Essa relação pode e deve ser reconhecida, como já fez esse Supremo Tribunal Federal, como uma parceria comercial que está posta na zona de natureza civil e não trabalhista”, disse.
A advogada da Uber ainda destacou que a empresa precisa de segurança jurídica para operar no Brasil, já que tem 41 mil processos relacionados ao tema na Justiça do Trabalho. “Somos uma alternativa e complementação de renda para 1,8 milhão de motorista”, completou.
Enquanto o advogado José Loguercio, da parte recorrida, alegou que as empresas buscam “zona franca de responsabilidade”. Segundo ele, é preciso examinar a responsabilidade social das empresas.
“No caso da Uber, organiza e controla por subordinação do trabalho”, afirmou. O advogado ainda frisou que não se trata de contrato de comércio nem civil, se trata de um contrato de trabalho. “Retirar isso é uma violação dos direitos humanos”, disse.
Segundo Loguercio, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) continua fazendo essas discussões e já reconhece que isso é uma relação do trabalho entre trabalhadores e plataformas.
“A ausência de regulação atinge as pessoas mais vulneráveis”, justificou.
AGU
Também no julgamento, a AGU (Advocacia-Geral da União) defendeu uma tese que propõe o reconhecimento de determinados direitos, mas sem reconhecer o vínculo empregatício entre motoristas e as empresas de aplicativos de transporte.
O posicionamento da União foi apresentado pelo ministro Jorge Messias, na condição de “amicus curiae” — parte colaboradora do processo.
A proposta da União ainda prevê piso remuneratório, limite de hora de conexão entre os motoristas e as plataformas e um seguro de vida em caso de falecimento e invalidez. No entanto, não prevê o vínculo trabalhista nas condições da CLT.
Na sessão desta quarta, apenas foram apresentadas as sustentações orais das partes envolvidas no processo. O julgamento será retomado nesta quinta-feira (2) com mais manifestações de partes colaboradoras.

