O acordo de leniência previsto na Lei Anticorrupção é uma ferramenta estratégica. Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), sua aplicação já permitiu recuperar mais de R$ 10 bilhões desviados por atos ilícitos contra a administração pública.
Ainda assim, a sobreposição de sanções aplicadas por diferentes órgãos e a falta de regras claras sobre isenção de responsabilidades traziam insegurança jurídica a empresas dispostas a colaborar.
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Para enfrentar algumas dessas questões, um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) foi assinado este ano entre a CGU, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público Federal (MPF). O objetivo é reduzir o protagonismo dos órgãos de controle do Executivo na condução dos acordos e tornar mais eficiente a atuação estatal conjunta, minimizando inseguranças.
A centralização da negociação do acordo nos órgãos de controle já era criticada pelo MPF, que vinha alertando que a exclusão do Ministério Público das negociações comprometia sua capacidade de investigar e responsabilizar criminalmente os envolvidos nos atos ilícitos que motivaram os acordos.
Com o ACT, o Ministério Público Federal deixa de ter um papel apenas fiscalizador e passa a integrar formalmente o esforço interinstitucional no combate à corrupção. Como também participa da negociação de outros instrumentos, como a colaboração premiada, os acordos de não persecução penal e civil, além de acordos de leniência em outras esferas, o MPF se consolida como protagonista da Justiça Negociada no país.
É certo que a ideia de um “balcão único” ganhou mais musculatura com a inclusão do MPF no recente Acordo de Cooperação Técnica, mas a segurança jurídica ainda é um desafio.
Cinco anos após o último acordo de cooperação técnica, que envolveu também o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério da Justiça e foi coordenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nota-se a ausência de diálogo com outros órgãos federais relevantes no combate à corrupção, como Cade, Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Além disso, o novo ACT ainda apresenta lacunas que podem comprometer a confiança no modelo.
A CGU, a AGU e o MPF devem, em regra, conduzir de forma conjunta a negociação, a assinatura e a execução dos acordos de leniência. Mas isso abre margem para situações excepcionais de atuação autônoma desses órgãos, sem delimitação das consequências jurídicas, afetando a igualdade de tratamento esperada pelos negociantes.
Para dar concretude aos compromissos programáticos do Acordo de Cooperação Técnica, essas instituições elaboraram um plano de trabalho com cronograma de ações e metas. Mas o plano não é obrigatório, o que impacta a previsibilidade das medidas idealizadas.
Embora o ACT preveja a “evitação de sobreposição de medidas sancionatórias”, faltou uma regra mais firme que impeça a aplicação de punições repetidas pelo mesmo fato. Também faltam mecanismos para evitar cobranças duplicadas na devolução de valores ao erário ou na perda de vantagens indevidas. A promessa é apenas criar uma metodologia comum de cálculo de sanções.
A CGU, a AGU e o MPF também acordaram sobre a suspensão de processos administrativos com o mesmo objeto do acordo de leniência, mas não trata da suspensão de ações judiciais ou de investigações em curso, como inquéritos civis e policiais.
Além disso, a falta de regras para negociações já iniciadas levanta dúvidas sobre como será a integração entre os órgãos e se haverá isonomia na aplicação das penalidades.
Durante os cinco anos de vigência do Acordo de Cooperação Técnica, o plano de trabalho prevê medidas para ampliar a previsibilidade das punições, incentivar a colaboração empresarial e reforçar a integridade pública. Entre elas estão a definição de regras para o cálculo das sanções econômicas e normas para proteção de denunciantes.
Sobre as últimas, o ACT também prevê a garantia dos benefícios legais a quem apresentar provas que confirmem os ilícitos relatados pelas empresas, o que pode viabilizar a aplicação da Lei 13.608/2018 (Lei do Disque-Denúncia), com possível recompensa de até 5% sobre os valores recuperados.
Apesar de representar um avanço na cooperação entre instituições, o ACT ainda parece mais uma carta de intenções do que um compromisso vinculante entre as instituições envolvidas. Só o tempo dirá se essa iniciativa será suficiente para superar a insegurança jurídica e a falta de alinhamento entre os órgãos envolvidos, conferindo maior estabilidade às negociações.
A expectativa é de que as autoridades públicas brasileiras avancem mais um passo, sinalizando compromissos mais concretos, incluindo outros órgãos nas negociações e definindo critérios técnicos para evitar sanções duplicadas.

