O conceito de equilíbrio econômico-financeiro em contratos administrativos de parcerias – aqui compreendidos os de concessão de serviço público, permissão e PPP –, exige um reenquadramento definitivo. Não se trata de mera cogitação teórica, mas de uma necessidade prática, capaz de conferir efetividade e legitimidade à categoria normativa que o expressa.
Durante muito tempo, o equilíbrio econômico-financeiro permaneceu refém da lógica do artigo 65 da Lei 8.666/1993, hoje sucedido pelos artigos 124 e 125 da Lei 14.133/2021. Isso não surpreende: afinal, os contratos administrativos pautados pelo desembolso orçamentário, conjugados com a leitura equivocada do que seria uma Lei Geral de Licitações (aquela que se aplicaria indistintamente a todos os tipos contratuais), consolidaram-se como referência da Administração Pública. Daí a vida longa de uma compreensão subjetiva e bilateral do equilíbrio, reduzindo-o à relação de forças entre contratante e contratado.
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Sob essa ótica tradicional, o equilíbrio econômico-financeiro configuraria uma entidade única, representada pela figura da balança entre receita e encargos, operando dentro da lógica do ganha-perde. O contrato seria visto como campo de tensão entre sujeitos adversários: de um lado, a Administração e suas obrigações de pagamento conjugadas com a prerrogativa de impor alterações unilaterais. De outro, a pessoa privada e sua obrigação incontornável de cumprir o contrato e se ver ressarcida de eventuais fatos imprevistos e/ou de consequências imprevisíveis.
Nesse modelo simplificado, inspirado nos contratos civis de empreitada, o binômio credor e devedor predomina, encerrando uma concepção subjetiva da avença (e das vantagens e desvantagens inerentes ao seu cumprimento). O reequilíbrio seria providência excepcional, destinada a evitar ganhos ou prejuízos indevidos. Por isso que se tornou habitual falar-se em aplicação do reequilíbrio em favor ou em desfavor de só uma das partes.
Eis o antagonismo não-cooperativo que esse modelo revela: se um ganhou, é porque o outro perdeu. Logo, os pedidos de reequilíbrio geravam esforços de não-reequilíbrio. Esse viés é francamente daninho e distante dos contratos de parceria.
Como o próprio nome indica, parceria pressupõe a mútua colaboração em torno de um objetivo comum. Nos contratos concessionários, ele é um só: a implementação, com máxima efetividade, de um projeto de interesse público estampado no pacto. Nesse modelo, poder concedente e concessionária compartilham o dever legal de preservar ativamente o equilíbrio econômico-financeiro do pacto – não como um direito subjetivo, mas como dever objetivo.
Não existe alternativa: o equilíbrio transcende a subjetividade e se releva como um dever objetivo. Caso se mantenha o desequilíbrio do contrato concessionário, todos perdem. Trata-se de dever funcional legislativamente imposto a ambas as partes, sempre em favor do contrato e, sobretudo, da finalidade pública que ele busca realizar.
Essa lógica se torna ainda mais evidente nos modelos de reequilíbrio predominantemente financeiros (como já demonstrei aqui), nos quais a variável de controle é a Taxa Interna de Retorno (TIR). Nesses casos, a análise não se concentra na comparação pontual entre custos e receitas, mas na preservação do retorno global do investimento ao longo do ciclo contratual. O reequilíbrio, portanto, não é calculado em favor ou em desfavor de uma das partes, mas em função da aderência do contrato à rentabilidade originalmente projetada.
A lógica é atuarial e objetiva: se a TIR contratada se desvia de forma estrutural por eventos supervenientes, a correção é técnica e vinculada ao próprio modelo econômico do contrato, e não a uma pretensa barganha entre sujeitos em disputa. Falar-se em ganho ou perda subjetiva, nesse contexto, é não compreender a natureza do equilíbrio em contratos de parceria.
Por isso, é bastante equivocado sustentar que, nos contratos de parceria, o reequilíbrio seja em favor de um dos contratantes e em desfavor do outro. Tal leitura simplifica a complexidade dos contratos de investimento privado de longo prazo e os aproxima, indevidamente, a um breve contrato de desembolso orçamentário público. Esse viés cognitivo é carregado de consequências negativas, que tendem a inibir o reequilíbrio imediato que vise a assegurar a efetiva prestação das obras e serviços públicos.
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Muito embora o presente artigo não se aprofunde na análise do caso concreto, vale registar que essa concepção objetiva e funcional parece já reconhecida na Deliberação 206/2025 da ANTT, ao aplicar o reequilíbrio emergencial com base em evidências. A medida respondeu modo célere a eventos que afetaram radicalmente uma concessão comum. O gesto institucional da agência não apenas sinaliza sua maturidade regulatória, como também revela e o esforço de ambas as partes de preservar o interesse público e conferir máxima efetividade ao pactuado.
A consolidação de uma teoria contemporânea do equilíbrio econômico-financeiro – fundada na lógica da parceria, na cooperação institucional e na funcionalidade do contrato – não é apenas uma exigência doutrinária, é uma necessidade prática urgente. Persistir na leitura subjetiva, bilateral e adversarial do reequilíbrio compromete a racionalidade jurídica dos contratos de longo prazo e mina a confiança de investidores e gestores públicos.
O reenquadramento do equilíbrio como dever objetivo de ambas as partes, em favor da concretização do interesse público pactuado, é condição essencial para a maturidade dos arranjos contratuais e para a efetividade da infraestrutura que deles depende.