A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) consolidou, por meio do Tema Repetitivo 177, o entendimento de que “os empregados das administradoras de cartão de crédito enquadram-se na categoria profissional dos financiários”.
Contudo, o precedente não deve ser aplicado às instituições de pagamento (IPs), categoria regulada pela Lei 12.865/2013, cujo objeto social e atividades preponderantes diferenciam-se substancialmente do perfil de financeiras ou administradoras de cartão com atribuições de concessão de crédito e que foram objeto de análise no caso específico que deu origem ao tema repetitivo no TST.
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O Tema 177 do TST uniformizou interpretação da Corte Trabalhista sobre o enquadramento sindical dos empregados de empresas que atuam como gestoras de cartão de crédito em lojas de varejo. A medida traz insegurança e pode impactar empresas de outra natureza jurídica, cuja atuação tem diferenças acentuadas quando comparada àquelas envolvidas no precedente.
A jurisprudência consolidada reconhece que os empregados de tais empresas devem ser considerados financiários, especialmente para fins de aplicação da Súmula 55 do TST para os efeitos de redução da jornada de trabalho. Isso porque os financiários equiparam-se aos bancários em relação à limitação do trabalho a seis horas diárias, nos termos do artigo 224 da CLT.
É importante destacar que a Lei 12.865/2013 trouxe uma regulamentação específica para as instituições de pagamento, as quais são regulamentadas pelo Banco Central e assim definidas: “Instituição de Pagamento (IP) é a pessoa jurídica que viabiliza serviços de compra e venda e de movimentação de recursos, no âmbito de um arranjo de pagamento, sem a possibilidade de conceder empréstimos e financiamentos a seus clientes”. Ou seja, essas empresas não são financeiras.
Essas instituições podem emitir e credenciar a aceitação de um instrumento de pagamento como o cartão de crédito, por exemplo, nos exatos termos o artigo 6º, inciso III, de referida lei, de modo que essas atividades não são privativas de instituições financeiras.
Assim, a administração de cartão de crédito pode ser realizada tanto por empresas financeiras, como por não-financeiras, sendo expressamente vedada a realização de atividades privativas de instituições financeiras por IPs.
É certo que uma instituição financeira tem atividades mais abrangentes que as instituições de pagamento, conforme regulamentação própria. Sob esse aspecto, a instituição financeira pode emitir cartão de crédito com concessão de crédito e parcelar o pagamento da fatura com juros próprios, o que não pode ser feito pelas IPs.
Esta distinção entre administradora de cartão de crédito em sentido amplo (financeira) e em sentido estrito (IP) já foi muito bem delineada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo próprio TST. Ambos os tribunais afirmaram, categoricamente, que a atividade de emissão e administração de cartão de crédito realizada por instituição de pagamento não tem natureza financeira (REsp 1.359.624/SP e RR 0100753-34.2020.5.01.0026, respectivamente).
Em recente decisão, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) seguiu nessa linha, afastando a aplicação do Tema Repetitivo 177 do TST a um empregado de IP (0001343-65.2024.5.17.0010).
Diante desse cenário, é evidente que o Tema em questão, cujo foco é o enquadramento dos empregados de gestoras de cartão de crédito em lojas de varejo, não é compatível com as peculiaridades da atividade das instituições de pagamento reguladas pela Lei 12.865/2013. Os aplicadores do direito precisam estar atentos às claras distinções normativas, regulatórias e jurisprudenciais, reforçando que essas instituições atuam na intermediação de pagamento via cartão de crédito, sem exercer atividades privativas de instituições financeiras.
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Não se pode perder de vista que todo o setor é altamente regulamentado e fiscalizado pelo Sistema Financeiro Nacional, não sendo sequer crível, tampouco condizente com a realidade, que IPs realizem atividades distintas daquelas para as quais possuam autorização. Admitir o contrário seria “o mesmo que afirmar que o Banco Central tem falhado miseravelmente no seu dever de regular e fiscalizar as instituições sob sua supervisão”, como irreparavelmente registrado no acórdão proferido no processo 0100312-24.2022.5.01.0013, datado de 28/11/2023.
A correta compreensão dessa distinção é essencial para manter o equilíbrio do ordenamento jurídico, assegurar a segurança jurídica e evitar interpretações que possam aprofundar a insegurança do setor e deixar de observar a legislação.Parte superior do formulário