A Controladoria-Geral da União (CGU) se depara com um cenário de alta complexidade ao investigar os descontos indevidos na folha de pagamentos do INSS, os quais envolvem associações reais e de fachada e, por extensão, um vasto contingente de beneficiários lesados.
Neste contexto, a atuação da CGU transcende a mera aplicação da Lei Anticorrupção (LAC) e demais legislações administrativas, demandando uma gestão cuidadosa frente à sensibilidade do tema, à atenção da imprensa e à percepção da opinião pública, onde cada ação é minuciosamente escrutinada e, por isso, deve ser cuidadosamente planejada.
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A analogia com grandes operações investigativas, embora útil para ilustrar a magnitude, adquire nuances distintas quando o foco recai sobre entidades associativas. A CGU, enquanto órgão central de controle, é incumbida de zelar pela probidade e pela correta aplicação dos recursos públicos.
Contudo, quando a apuração envolve práticas como descontos em benefícios previdenciários, frequentemente originados de convênios com associações, a repercussão social se intensifica. Tais situações, embora possam parecer de menor vulto inicialmente, têm o potencial de gerar escândalos de proporções consideráveis.
A intervenção da CGU vai além da busca pela verdade material; ela ocorre sob intenso escrutínio público e midiático, o que impõe desafios substanciais à sua credibilidade institucional.
É comum a percepção de que a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) se destina exclusivamente a grandes esquemas de corrupção. Não que esse caso não o seja! Contudo, a LAC estabelece a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas. Isso implica que a responsabilização se configura independentemente da comprovação de dolo ou culpa por parte da entidade ou de seus dirigentes. Basta que o ato lesivo tenha sido praticado em seu interesse ou benefício, ainda que potencial e não exclusivo.
Este aspecto impõe um dilema à CGU, que deve comprovar eventuais atos lesivos, tais como fraude e manipulação, e consequente benefício auferido pela associação. Precisa também gerenciar a narrativa pública, que por vezes pode interpretá-la como um agente persecutório de entidades associativas engajadas com diferentes correntes políticas. A pressão social é considerável, exige uma atuação cirúrgica da CGU, pautada pelo devido processo legal e pela estrita observância do princípio da proporcionalidade, a fim de preservar sua imagem e legitimidade.
Para profissionais do direito e empresários, a compreensão desta dinâmica é de valor inestimável. A CGU, ao conduzir tais investigações, confronta-se com riscos reputacionais que devem ser observados na mesma proporção que a própria investigação. Uma atuação que seja percebida como morosa, desproporcional ou injusta pode suscitar uma onda de críticas, comprometendo a própria legitimidade de sua função fiscalizatória.
A mitigação desses riscos por parte da CGU, e as oportunidades daí decorrentes para as partes envolvidas, devem ser consideradas em diversas frentes:
- Transparência Acentuada: A CGU deve adotar um elevado grau de transparência nesses casos, divulgando os pormenores da investigação e os fundamentos das decisões, dentro dos limites legais. Isso assegura o acesso às informações essenciais para análise e elaboração de defesas;
- Rigor no Devido Processo Legal: A imperatividade de evitar contestações públicas conduz a uma aderência ainda mais estrita aos ritos processuais. Para os advogados, isso representa uma oportunidade para aprofundar a análise de cada etapa do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR);
- Aplicação Proporcional das Sanções: A CGU deve se empenhar em aplicar sanções que guardem proporcionalidade com a gravidade do ato e o benefício auferido, considerando o contexto específico;
- Comunicação Institucional Estratégica: A necessidade de uma comunicação eficaz com a sociedade por parte da CGU, demonstrando a racionalidade para cada movimento feito cria um ambiente propício para que a imprensa consiga captar a racionalidade do órgão e retransmiti-la à sociedade.
Com relação a esses, a CGU contribui significativamente para a transparência e à estrita aderência ao devido processo legal, ao divulgar o Manual de Responsabilização de Entes Privados, que terá uma versão atualizada até o final deste ano (acesse aqui), conferindo maior previsibilidade à aplicação e ao enquadramento dos atos lesivos da Lei Anticorrupção.
Complementarmente, para assegurar a transparência ativa à sociedade, a CGU também publica em sua base de conhecimentos todos os julgados, acompanhados das peças-chave que detalham o racional por trás de cada decisão. Reforçando este compromisso, também está disponível a calculadora de multa do PAR, ferramenta que auxilia na quantificação de multas – acesse aqui.
Sobre a proporcionalidade das sanções, a CGU também publicou recente estudo intitulado “Relatório de análise da dosimetria de sanções em Processos Administrativos de Responsabilização” (acesse aqui). A dosimetria de sanções, ao incorporar critérios como a cooperação entre os responsáveis por infrações e a administração, e a efetividade de programas de integridade em entes privados, delineou uma política pública voltada ao fomento de uma cultura de integridade nas relações público-privadas.
Seguindo essa orientação, e entendendo o sancionamento dos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção (LAC) como parte vital de uma estratégia de promoção da integridade, a Controladoria-Geral da União (CGU) tem trabalhado para assegurar uma aplicação de sanções que seja adequada, proporcional, transparente e estável, baseada nos parâmetros definidos.
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Nesse contexto, e compreendendo que o sancionamento dos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção é uma ferramenta primordial para a promoção da integridade, a CGU tem buscado assegurar uma adoção adequada e proporcional dos critérios de dosimetria, bem como uma aplicação transparente e estável dos parâmetros estabelecidos para as sanções.
A comunicação institucional é uma via de mão dupla. A instituição pública disponibiliza uma informação à sociedade e aos meios de imprensa, que repercutem a mensagem de acordo com suas réguas e valores, ao passo que esta mesma informação retorna ao órgão público, que a analisa e devolve à sociedade. É um processo cíclico, que teoricamente nunca tem fim (pelo menos até que o assunto seja superado por outro). Por isso, a transparência deve ser máxima, para que na divergência entre instituição e órgãos de imprensa a própria sociedade possa olhar os dados e tirar suas próprias conclusões.
Convido-os à reflexão: como a CGU pode, de forma eficaz, conciliar a rigorosa aplicação da legislação, com a inegável sensibilidade social que permeia tais investigações, e reduzir ao máximo a inevitável enxurrada de críticas à sua atuação?