Muito se discute sobre o futuro dos métodos de ensino em diversos níveis (fundamental, médio, superior, técnico, pós-graduação, pesquisa e extensão), assim como nos mais diferentes ramos do conhecimento (ciências humanas, exatas e da natureza).
No mundo do Direito, não é diferente. Será que daqui há 10 anos ainda estaremos lecionando ainda com base em manuais? Como extrair conclusões úteis e objetivas ao aprendizado diante da multiplicidade de entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, que mudam a todo momento? E quais os impactos das novas tecnologias, em especial a inteligência artificial, no aprendizado? Todas são perguntas válidas e pertinentes.
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Todavia, há uma ferramenta que, ao menos no Direito, tem crescido exponencialmente e cuja utilidade revela um potencial significativo para as novas gerações, a saber: a organização de olímpiadas, competições jurídicas, juris simulados etc. De certa maneira, não é algo absolutamente novo, mas que vem crescendo e estimula a instituição de grupos e ligas estudantis nas universidades para participarem dos eventos.
Entre todas as disputas, aquela sobre a qual falaremos rapidamente aqui é a Olimpíada Nacional de Direito Administrativo, organizada pelo Laboratório de Regulação Econômica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ Reg.), coordenado pelo professor José Vicente Santos de Mendonça, e que atualmente chegou à sua quinta edição.
A partir das vivências do autor deste artigo na organização das disputas e nos feedbacks recebidos de alunos, mentores de equipes e membros de bancas que esse tipo de evento tem o elevado potencial de contribuir para o aprimoramento dos métodos de ensino do Direito.
Essa observação deriva do fato de que, frequentemente, nas universidades, o ensino jurídico repousa sobretudo nas lições em sala de aula e na avaliação do aprendizado por meio de notas obtidas a partir da feitura de provas individuais ou trabalhos em grupo. Esse método tradicional tem grande valia, por ser facilmente administrável para grandes classes de alunos e não fomentar uma competitividade exagerada entre eles. Em última análise, se todos atingirem um grau mínimo, todos “passam” igualmente na disciplina. Contudo, por ele, criam-se incentivos para que os alunos tirem apenas as notas mínimas para obterem aprovação.
Nas olimpíadas e competições, por outro lado, existe uma dinâmica de apreensão do conhecimento completamente diferente da tradicional. Alguns relatos de alunos de edições passadas da Olimpíada Nacional de Direito Administrativo levam a crer que ela teve um papel fundamental na sua compreensão e aplicação do Direito Administrativo, tão relevante ou até superior ao da sala de aula. E a razão é simples: competir faz com que estudantes tentem superar seus limites.
O método lastreado em competições, ou método competitivo, por assim dizer, pode apresentar externalidades positivas relevantes. Foi possível constatar alguns fatores em prol dele, não como um substitutivo ao tradicional, calcado no binômio sala de aula – notas, mas sim como um complemento a ele. Vejamos alguns fatores nesse sentido.
Primeiramente, o método competitivo ganha lugar quando há inviabilidade lógica de fazer passar todo mundo, a exemplo do que ocorre no vestibular, para ingresso nas universidades. O número de vagas é um bem escasso e, no caso das olimpíadas e competições acadêmicas, mutatis mutandis, se observa a mesma coisa. Todos buscam postos de destaque: reconhecimentos informais, menções honrosas, troféus e medalhas de bronze, prata e, acima de tudo, ouro.
Em segundo lugar, a realização de atividades práticas competitivas entre os alunos tem elevado valor educacional. Discursar em público, dinâmica de equipe, reagir rapidamente a uma pergunta são alguns dos soft skills importantes que as novas tecnologias são incapazes de proporcionar. Só com um treinamento aguçado, força de vontade e vivências concretas é que se pode absorvê-las. Tampouco a cultura manualista – para usar um neologismo a propósito do ensino baseado em manuais – pode trazer essas habilidades à tona.
Indo mais a fundo nessa ideia, não mais se aprende o mínimo para passar em uma prova, como frequentemente acontece, mas para se um destaque. E aqui o aprendizado há de ser mais veloz. Não se tem tempo suficiente para passar pelo conteúdo programático de Direito Administrativo 1, 2 e eventualmente 3 ao longo de 1 ano ou 1 ano e meio de estudos.
É preciso que tudo seja absorvido pelos integrantes das equipes em cerca de 1 semestre, que é em geral o tempo entre a divulgação do edital (abril ou maio) e a realização da fase presencial da disputa (setembro ou outubro). Cuida-se, portanto, de um “18 meses em 6”, com uma carga de estudos elevada, algo que exige um esforço intelectual e emocional superior aos padrões comuns de ensino.
Um terceiro fator em prol do método competitivo consiste no fato de que a olimpíada cria um ambiente de encontro entre corpos docentes e discentes de diversas localidades e variadas realidades sociais. Esse fenômeno proporciona, antes de tudo, um networking, que é relevante em alguma medida para abrir portas profissionais aos competidores. Mais importante do que isso, permite-nos experienciar visões do Direito Administrativo diferentes daquelas as quais estamos acostumados.
Esse ponto é importante considerando que a academia, não raro, termina por se fechar em si mesma em algum nível, ou seja, existe um viés a partir do qual o conhecimento é repassado sob as lentes e a partir das pré-compreensões do educador. E não poderia ser diferente. Existem limites cognitivos na forma de se ensinar e a expertise do aluno logicamente se estreita a partir dessas limitações. Como desdobramento disso, as olimpíadas têm como uma de suas serventias abrir a mente dos jovens a outros pontos de vista, formas diferentes de interpretar, aplicar e criar o Direito Administrativo.
Um possível contraponto ao método competitivo seria que um sistema adversarial de ensino tenderia a comprometer a solidariedade profissional e acadêmica assim como a humildade entre alunos, valores que certamente dever reger a vida universitária e em sociedade. De fato, é verdade, mas a proposta aqui não é substituir um sistema por outro, mas manter um modelo educativo baseado na cooperação e ainda assim trazer doses de rivalidade saudável, sempre fazendo referência a como o principal objetivo é o aprendizado em si, e não a vitória.
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Mesmo porque a vida em sociedade naturalmente traz momentos de tensão competitiva, e a forma como lidamos com o embate é tão relevante quanto tentar evitá-lo. Saber perder é também um valor e que naturalmente pressupõe um conflito, que lhe anterior. A isso se soma o fato de que a olimpíada pode induzir o espírito cooperativo também, e não só o competitivo. Não é possível participar dela sozinho, havendo necessidade de estreitar laços com os demais membros para atingir uma força coletiva de conhecimento. O resultado, portanto, é enriquecedor tanto sob a ótica cooperativa quanto competitiva.
Enfim, ao chegar à quinta edição, essa é uma possível súmula do que se pode extrair a partir de tantas vivências na organização da Olimpíada Nacional de Direito Administrativo e espera-se que seja útil para ampliar o ferramental de métodos de ensino do Direito no Brasil.

