A concessionária Motiva, antiga CCR, já havia investido R$ 1 bilhão sem retorno na operação da BR-163/MS quando a empresa conseguiu uma solução para as dificuldades do contrato de concessão original, em dezembro de 2024. A resposta foi a aprovação no Tribunal de Contas da União (TCU) de uma proposta de solução consensual com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Ministério dos Transportes.
“Mostramos para o TCU que tínhamos tentado todas as alternativas possíveis”, disse a diretora jurídica da Motiva, Renata Lacerda, que fechou o acordo no âmbito da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (Secex-Consenso) do TCU.
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Segundo Lacerda, o empenho na autocomposição não foi apenas essencial para a solução do problema específico, mas também um dos principais caminhos para impulsionar o departamento jurídico e torná-lo mais central nos negócios.
“O caminho do consensualismo foi uma solução que rompeu com uma visão engessada e entregou os melhores resultados para todos os usuários, para a companhia e para o governo”, afirmou Lacerda no Corporate Legal Executive Summit 2025, encontro para executivos jurídicos organizado pela 7th Experience e patrocinado pelo JOTA.
Os primeiros painéis do evento discutiram como o departamento jurídico tem passado por uma transição de uma área focada contencioso, para uma investida no consultivo, e posteriormente para o que é hoje: um departamento estratégico, com maior protagonismo nas decisões e maior influência nos resultados.
“Hoje, 10% a 20% do meu tempo é dedicado à advocacia. O resto é dedicado aos negócios, ao apoio e à tomada de decisão”, afirmou Alfredo Santana, diretor jurídico da Volvo para a América Latina.
Também participou do painel com Santana e Lacerda a diretora jurídica do grupo OLX, Anahí Llop. Para ela, embora a empresa seja de tecnologia, na maioria das vezes a inovação vem de melhorias simples, como na organização dos dados. “Nós tínhamos mais de 30 planilhas de excel diferentes, integramos tudo e hoje vemos os dados no Power BI”, afirma Llop.
Advogado na estrada
Para Aquiles Guatemozim, diretor jurídico da JBS, o primeiro passo para o jurídico se tornar um departamento integrado e estratégico é entender profundamente o negócio da empresa.
“Quando entra um advogado júnior na JBS, ele não senta no escritório para fazer imersão, ele vai para a estrada, vai entender como é a criação, o abate, o transporte, o core do negócio”, afirma Guatemozim.
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“O advogado tem que ter a capacidade de ser um camaleão”, afirmou Adriana Ehiar, diretora jurídica da BIC na América Latina. “Eu não sei de nenhum outro profissional que é capaz de conversar com todas as áreas, do financeiro ao marketing, da logística ao comercial.”
Para Guilherme Leite, diretor jurídico da Samsung SDS, foi essencial também o caminho contrário — a aproximação das outras áreas com o Direito. “É preciso que seja uma via de mão dupla, que a empresa também entenda nosso trabalho”, afirmou Leite.
A empresa implementou uma agenda periódica de treinamentos sobre as mais relevantes áreas e tópicos do Direito para educar todos os funcionários sobre seus direitos e obrigações e também sobre as consequências e impactos jurídicos de cada área. Depois dessa e de outras medidas, diz Leite, houve uma redução de 45% na quantidade de novas ações movidas contra a empresa.
“Hoje temos a presença de um advogado nas principais reuniões e comitês da empresa”, diz Leite.
Ele afirma, no entanto, que só conseguiu implementar efetivamente a iniciativa depois de conseguir convencer o presidente da empresa a embarcar no projeto. “Tivemos muitos fracassos até ter sucesso”, afirmou Leite.
Cenário regulatório e Carf
O evento também teve conversas e apresentação de cases organizados em torno de outros temas, como riscos, compliance e cenário regulatório; e a integração de tecnologia e inteligência artificial no setor jurídico.
Para Marcelo Toro, CCO da Braskem, o jurídico precisa aprender a falar a língua do negócio e apresentar resultados em números.
“Tudo o que a gente faz hoje, a gente tem que traduzir em números para o nível executivo. Se ficarmos somente no conceitual, eles não entendem. Porque eles não querem saber, estão interessados em saber se a sua área é gasto ou se vai trazer dinheiro”, afirmou Toro.
E para as lideranças de mais alto nível, é central também um entendimento de como se articulam atores centrais no cenário nacional que têm forte impacto político e jurídico.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que regula disputas tributárias em primeira instância, foi citado como exemplo por Iago Bolívar, diretor de conteúdo do JOTA.
Diferentemente do Supremo Tribunal Federal (STF), que se tornou muito conhecido, o Carf continua sendo um órgão obscuro, mas com um impacto bilionário.
Bolívar trouxe o dado de que o estoque de processos do Carf, concentrado majoritariamente em um número pequeno de casos, voltou a se aproximar de R$ 1 trilhão.
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E as mudanças no conselho neste ano — intensificação dos julgamentos no plenário virtual, votação de súmulas o desenvolvimento de sua inteligência artificial (IAra) — devem ter um grande impacto tributário nas empresas. O JOTA acompanha com lupa essas questões no serviço corporativo do JOTA PRO Tributos.
“Passamos por uma mudança muito grande nos últimos anos, em que o Judiciário deixou de ser um árbitro de conflitos e passou a ser um agente de transformação. E quem sobreviveu foi quem entendeu essa mudança”, afirmou Bolívar, que destacou a importância de a empresa como um todo, e não só do jurídico, entender o papel da Justiça no jogo institucional e como se encaixar nesse cenário.
Nesse sentido, outro fator essencial para elevar o jurídico para o nível estratégico da empresa, segundo Marcelo Toro, da Braskem, é participar ativamente do processo.
“É preciso antecipar o cenário regulatório e, de forma ética, participar de forma mais ativa nas discussões, como participando de audiências públicas”, disse Toro.