Às vésperas do Supremo Tribunal Federal (STF) retomar o julgamento sobre o rol de doenças que estão sob a cobertura dos planos de saúde privada contratados pelos brasileiros, o setor privado apavora a mídia com números mágicos. O truque é velho.
Exortam eles: “Senhores Ministros do STF, se o julgamento for contra nossos planos, vamos todos quebrar!”, a exemplo do que se tentou fazer com a “granada oca” que os bancos lançaram sobre o Supremo no julgamento da ADPF 165 (dos expurgos inflacionários). Mas, a pólvora molhou.
Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor
O setor financeiro pagou a conta da hiperinflação no maior acordo privado da história e, sem novidades, mantém-se batendo recordes anuais e sucessivos de lucratividade, sem nenhum sinal de bancarrota.
Enquanto consumidores lutam para ter tratamentos de qualquer tipo de doença que lhes acometer (como sempre foi da natureza desses contratos de saúde), os planos de saúde tentam mudar a regra do jogo e só dar cobertura a uma lista fechada de doenças (no chamado “rol taxativo”).
O caso vai a julgamento no STF e, muito mais que rever decisões judiciais, ficou a cargo do Poder Legislativo brasileiro editar a Lei nº 14.454/2022 para colocar um ponto final no assunto: o rol de doenças é exemplificativo, não sendo justo que o plano escolha qual doença será tratada, qual não.
Sem argumentos jurídicos, agora é a vez dos planos de saúde lançarem feitiços ao STF, na ideia de que seria melhor restringir direitos de brasileiros, pois, do contrário, serão milhares de processos judiciais cobrando o que está previsto na Lei 14.454/2022.
Nos últimos dias, sites jurídicos já acordaram com rojões explodindo cifras, tal qual escreveu Camila Funaro, ao Conjur: “Estima-se que, entre 2020 e 2023, o crescimento da judicialização no setor tenha gerado um prejuízo superior a R$ 17,5 bilhões, dos quais R$ 8 bilhões diretamente atribuídos a tais ações”.
Longe de debater Direito, o uso da análise econômica descredibiliza decisões judiciais contra o setor privado e, como num passe de mágicas, defende que cumprir as leis, no Brasil, seria um ato demodê e de desinteligência.
A premissa econômica é de que tanto a lei quanto decisões judiciais que obrigam o custeio de procedimentos e medicamentos afetam suas pautas orçamentárias e impactam no equilíbrio financeiro das operadoras privadas. Ora, mas é assim que funciona prestar serviços de risco, com seus reajustes anuais (centavo por centavo).
Mas, esse estouro é de espoleta, e nem faz fumaça aos direitos do cidadão.
Dados empíricos e análises jurídicas mais recentes demonstram que essa visão economicista não reflete a complexidade da realidade brasileira nem o papel constitucional do Judiciário na proteção do direito à saúde.
Pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em parceria com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mostrou que a promulgação da Lei nº 14.454/2022 não gerou aumento na judicialização do tema.
Em março de 2025, dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) revelam que as operadoras de planos de saúde e administradoras de benefícios registraram lucro líquido superior a R$ 11 bilhões, em 2024, o que representa um crescimento de mais de 270% em relação a 2023, tudo isso após a Lei de 2022.
Assim como o Código de Defesa do Consumidor aplicado ao setor bancário, a correta regulação do rol de doenças estabelecida pela Lei 14.454/2022 permitiu a adequada prestação de serviços e, ainda, um aumento de lucratividade aos planos de saúde, sem espaço para estratagemas que ecoem qualquer sinal de prejuízos.
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A dureza da vida de quem depende de atendimentos médico-hospitalares está longe desses encantos, como chegou a afirmar um Juiz do Superior Tribunal de Justiça (favorável à limitação do rol de doenças). Já a saúde financeira dos planos, sem magias nem arroubos numéricos, vai bem e sem abalos.
O ideal é que a Suprema Corte preserve a vontade legislativa constitucional do Parlamento, adequada à realidade brasileira, e negue o pleito de quem parece desconhecer o novo equilíbrio da lei de 2024, com a prioridade do critério médico individualizado e todo respeito às evidências científicas de eficácia.
Enfim, no Brasil, convive-se hoje com o que há de mais seguro e que a Justiça pode prover ao cidadão: acesso mínimo à saúde.