A política brasileira continua marcada por um déficit histórico: a ausência de mulheres em espaços de poder. Embora representem 53% do eleitorado, elas ocupam menos de 20% das cadeiras no Congresso Nacional. Às vésperas das eleições de 2026, a pergunta que se impõe é se o Brasil será capaz de superar esse abismo e caminhar rumo à paridade de gênero.
A conquista do voto feminino em 1932 foi apenas o início de uma luta que atravessou o século 20 e se projetou na Constituição de 1988, que consagrou a igualdade formal entre homens e mulheres. No entanto, a tradução dessa igualdade em cargos políticos segue lenta.
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O relatório da Inter-Parliamentary Union (2025) mostra que o Brasil ocupa a 131ª posição mundial em representatividade feminina, atrás de países como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. O dado revela não só uma falha estrutural, mas também uma resistência cultural e institucional em abrir espaço para mulheres na política.
A política de cotas, criada em 1997 e fixada em 30% das candidaturas, foi fundamental para ampliar a presença de mulheres nas urnas. Mas sua eficácia tem sido limitada. Em 2024, nas eleições municipais, o número de vereadoras cresceu apenas 2%. A explicação é clara: partidos cumprem a exigência no papel, mas raramente investem de forma equitativa em candidaturas femininas.
Nos últimos anos, o debate legislativo em torno da paridade oscilou entre avanços e retrocessos. A Emenda Constitucional 117/2022 garantiu o financiamento proporcional de campanhas femininas, sinalizando um reforço institucional. Em contrapartida, a aprovação da EC 133/2024, que anistiou partidos descumpridores das cotas, enfraqueceu os mecanismos de fiscalização.
O recado político foi ambíguo: ao mesmo tempo em que se afirma a importância da equidade, a própria estrutura normativa permite que a regra seja esvaziada. O resultado é a manutenção de um ciclo de sub-representação.
No cenário internacional, a Agenda 2030 da ONU é categórica: o ODS 5.5 defende a participação plena das mulheres em todos os níveis de decisão. Países vizinhos do Brasil já deram passos mais ousados. A Bolívia e o México, por exemplo, implementaram sistemas de “democracia paritária” que exigem 50% de candidaturas femininas com garantia de alternância e cumprimento efetivo.
O resultado é visível: nesses países, a presença de mulheres no legislativo supera 45%, alterando a dinâmica política e a formulação de políticas públicas. No Brasil, ao contrário, propostas como a reserva de cadeiras parlamentares, discutida durante a tramitação da PEC 9/2023, foram derrotadas.
A luta pela paridade não se limita às urnas. No último dia 23 de julho, a Lei 15.177 determinou a reserva de 30% das vagas em conselhos de administração de empresas públicas para mulheres. Inspirada em experiências internacionais de governança corporativa, a medida reconhece que a igualdade precisa se expandir para os espaços de poder econômico e empresarial.
O Judiciário também se posicionou no mesmo sentido. A Resolução CNJ 525/2023 criou mecanismos de promoção de magistradas aos tribunais de 2º grau. Embora tímida, a iniciativa aponta para a necessidade de transversalidade da perspectiva de gênero nas instituições brasileiras.
A baixa presença feminina na política tem efeitos concretos. Estudos mostram que parlamentos mais diversos tendem a ampliar o debate sobre políticas sociais, saúde, educação e combate à violência de gênero. No Brasil, a ausência de mulheres em cadeiras de poder limita a inclusão dessas pautas no centro das agendas legislativas.
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As eleições de 2026 se tornam, portanto, um divisor de águas. A aplicação rigorosa das cotas, combinada a novas medidas estruturais, pode começar a reduzir o déficit de representatividade. Mas se prevalecer a lógica de anistias e descumprimentos, a democracia brasileira seguirá presa a um modelo excludente.
A paridade política de gênero não é concessão, mas condição democrática. É o que aponta o constitucionalismo feminista e as experiências internacionais mais exitosas. Não basta garantir igualdade formal; é preciso assegurar sua efetividade material.
Se o Brasil deseja ser reconhecido como uma democracia substantiva, precisa avançar com coragem nas reformas que assegurem às mulheres o direito de decidir os rumos do país. O ano de 2026 será o momento de comprovar se essa mudança é possível ou se continuaremos a conviver com um déficit histórico que enfraquece nossa própria ideia de democracia.