A PEC 65/2023 propõe transformar o Banco Central em pessoa jurídica de direito privado, rompendo com sua atual natureza de autarquia federal de direito público. Não se trata de privatização nem de perda de controle público, mas de adequação institucional.
O BC passaria a contar com autonomia financeira, orçamentária e administrativa compatível com suas atribuições institucionais, como garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo e fomentar o bem-estar econômico da sociedade.
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Na dimensão financeira, poderia utilizar receitas próprias, como rendimentos de ativos e taxas regulatórias. Na orçamentária, elaboraria e executaria seu orçamento, sujeito à aprovação do Conselho Monetário Nacional (CMN). E, na administrativa, teria maior capacidade de organizar seu quadro funcional segundo critérios técnicos.
Esse arranjo coloca o Brasil em linha com as práticas internacionais, em que bancos centrais operam com autonomia operacional em relação ao orçamento fiscal corrente.
O debate público destacou se os fluxos de resultados positivos ou negativos entre Banco Central e Tesouro poderiam distorcer o resultado primário e a meta do arcabouço fiscal. Para o BC autarquia, esse ponto já foi endereçado pela Lei 13.820/2019. A norma determinou que os resultados cambiais, em sua maioria contábeis por refletirem variações de câmbio não realizadas, fossem retidos em reserva de resultado.
Assim, variações como a de 2024, quando o dólar caiu de R$ 6,24 para R$ 6,15, gerando perda contábil pela valorização do real sobre as reservas internacionais, não se traduzem em transferência imediata ao Tesouro, permanecendo no patrimônio do próprio BC até eventual realização efetiva.
Já os resultados não cambiais são efetivamente transferidos ao Tesouro Nacional, e não se tratam de meros registros contábeis. Parte deles corresponde a tarifas e multas pagas pelo setor privado ou à remuneração de operações de política monetária. De forma simétrica, quando o Tesouro capitaliza o BC mediante a emissão de títulos próprios para fins de política monetária, esses títulos passam a pagar juros e podem ser utilizados em operações compromissadas, reforçando a natureza patrimonial dessas transferências.
O arcabouço fiscal, criado pela EC 126/2022 e regulamentado pela LC 200/2023, substituiu o teto de gastos e passou a combinar metas de resultado primário com limites de crescimento da despesa. No arranjo atual, não há risco de que os fluxos do Banco Central comprometam artificialmente o cumprimento das metas.
A Lei 13.820/2019 já disciplinou essa questão: resultados cambiais ficam retidos em reserva de resultado, enquanto apenas os resultados não cambiais, como tarifas e multas pagas pelo setor privado ou receitas decorrentes de operações de política monetária, são transferidos ao Tesouro. Essas transferências continuam registradas nas estatísticas fiscais, mas não afetam a apuração da meta.
A comparação com uma estatal como os Correios ajuda a ilustrar. Em 2024, essa empresa pública registrou déficit de R$ 2,6 bilhões, e uma eventual cobertura desse rombo pelo Tesouro é classificada como despesa primária, afetando diretamente o resultado fiscal e a meta do arcabouço.
No caso do BC, a Lei 13.820/2019 estabeleceu que os resultados cambiais, em sua maioria contábeis, por refletirem variações de câmbio não realizadas, devem ser retidos em reserva de resultado, sem transferência imediata ao Tesouro. Já os fluxos não cambiais correspondem a ingressos ou aportes efetivos, com natureza patrimonial.
A diferença é que, enquanto o déficit de uma estatal como os Correios pressiona de forma imediata as metas fiscais, no caso do BC a Lei 13.820/2019 modula o impacto desses fluxos, preservando a consistência estatística sem comprometer artificialmente o cumprimento do arcabouço.
No contexto da alteração do regime jurídico do BC no âmbito da PEC 65, a emenda 13 surgiu como tentativa de resolver esse ponto. Veja sua redação:
“Art. X: As transferências e coberturas de resultados e as emissões e resgates de títulos previstos na legislação de que trata o art. 164, § 8º, da Constituição não serão contabilizados para fins de apuração das metas fiscais de resultado primário do setor público e não integrarão a base de cálculo do montante global das despesas primárias referentes ao regime fiscal de que trata o art. 6º da Emenda Constitucional 126, de 21 de dezembro de 2022, ou a eventual regime que venha a substituí-lo”.
Sua intenção era excluir os fluxos BC-Tesouro da apuração das metas fiscais, sem retirá-los das estatísticas. Assim, continuariam sendo registrados normalmente, mas seriam neutralizados no cálculo das metas. Apesar da boa intenção, a solução constitucional não era a mais adequada, porque engessaria o regime fiscal.
A saída está no próprio texto da PEC 65. O novo §6º do art. 164 da Constituição remete à lei complementar a disciplina da relação financeira entre BC e União. Esse caminho permite compatibilizar a Lei 13.820/2019, que já regula remessa de resultados, cobertura de prejuízos e constituição de reservas, com a metodologia do arcabouço fiscal.
Hoje, a estatística fiscal brasileira é elaborada para o setor público não financeiro, mas, “em função das especificidades do arranjo institucional brasileiro” (Manual de Estatísticas Fiscais), o Banco Central, ainda como autarquia, está incluído no governo central, em desacordo com o padrão estatístico internacional.
Após a PEC, o Banco Central será classificado como corporação do setor público financeiro. Nesse arranjo, uma eventual cobertura de prejuízos pela União será tratada como capitalização e, estatisticamente, como transferência de capital não reversível. Isso significa despesa primária, nos termos do Government Finance Statistics Manual do FMI.
A própria Lei 13.820/2019 já prevê esse mecanismo: a União só cobre prejuízos após o esgotamento da reserva de resultado e do patrimônio líquido do BC. Ou seja, só quando a instituição já consumiu integralmente sua base patrimonial. Cabe à lei complementar modular o efeito desses fluxos sobre a meta fiscal.
Os registros continuarão aparecendo no resultado primário, mas deverão ser excluídos na apuração da meta, como já ocorre com precatórios ou créditos extraordinários. Esse modelo garante consistência estatística, alinhamento ao GFSM e flexibilidade normativa, sem sobrecarregar a Constituição.
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Dessa forma, a PEC 65 fortalece o Banco Central como instituição autônoma sem abrir mão da disciplina fiscal. A solução definitiva para o tratamento contábil dos fluxos entre BC e Tesouro não está na Constituição, mas sim na lei complementar, como previsto no §6º do art. 164. É ela que deve modular se esses fluxos, embora registrados no primário, devem ou não afetar as metas fiscais, tal como já ocorre com precatórios e créditos extraordinários.
Mais do que resolver uma questão contábil, a PEC 65 é uma solução estrutural para o Banco Central. Ela assegura condições institucionais para que a autoridade monetária continue entregando valor à sociedade, ampliando sua capacidade de inovar, manter sistemas críticos como o Pix e o STR, fortalecer a supervisão financeira e preservar a credibilidade da política monetária.
Ao alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais, a PEC 65 garante um Banco Central mais robusto, capaz de sustentar estabilidade macroeconômica e inclusão financeira em benefício da população.