Ao promulgar a Constituição Cidadã de 1988, Ulysses Guimarães deixou claro que mudanças no seu texto só ocorreriam por meio de emendas apreciadas pelo Congresso eleito pelo voto direto. Sempre é desafiador aprová-las, dada a obrigatoriedade de quórum (3/5) a ser obtido nas duas Casas Legislativas, em dois turnos. Cumprir esse requisito é prova retumbante da vontade popular exercida por meio de nossa democracia representativa.
Em 16 de julho, conseguimos a façanha de aprovar, em duas rodadas, na Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 66/2023) que dá previsibilidade e sustentabilidade ao pagamento de precatórios e dívidas dos entes federativos.
Também foi aprovada em primeiro turno no Senado, ressalvados os destaques. Apresentada pelo senador Jader Barbalho (MDB-PA), a proposta teve como principal foco tirar os municípios do insustentável sufoco orçamentário.
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Tive a honra de ser o relator da PEC na Câmara. Foi a primeira vez em que exerci essa função, apesar de já ter estado na linha de frente de duas emendas constitucionais importantes. Fui autor da PEC 45/2019 da reforma tributária, promulgada em 2024, e liderei a articulação política da PEC do Teto de Gastos, fundamental para salvar o país da bancarrota em 2016.
Nos três casos, apesar do amplo apoio obtido, houve críticas que fazem parte do jogo democrático, mas nem sempre estão ligadas ao interesse da população em geral. Pelo contrário. Muitas vezes por trás de críticas há defensores de interesses privados e de grupos específicos. Esse é o caso da PEC 66/2023. Eu, porém, não vou entrar nesse debate. Meu foco aqui é mostrar que essa emenda é boa para o Brasil e para a população em geral.
A realidade dura e crua é que somos um país pobre, que tem dificuldades na geração de receitas, sobretudo em tempos de baixo crescimento econômico. Por mais esforço fiscal que se faça, a conta não tem fechado na imensa maioria dos 5.000 municípios brasileiros. As pessoas vivem nessas cidades, e as mais pobres – a maioria delas – dependem dos parcos serviços públicos oferecidos. Como ignorar isso?
Paralelamente, avolumam-se dívidas das mais diversas e, claro, os precatórios. Nesse último caso, como se tratam de dívidas com pagamento judicial obrigatório, instalou-se no país uma verdadeira indústria de compra e venda de precatórios. Por mais que sejamos defensores da economia de mercado, é preciso equilíbrio e bom senso. É insensato direcionar a maioria das receitas de uma cidade para precatórios.
Encontrar o caminho da sensatez é o verdadeiro espírito da PEC 66, que nasceu a partir de estudos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e contou com o forte apoio da Frente Nacional de Prefeitos (FNP). Segundo a CNM, mais da metade das prefeituras brasileiras (54%) fechou o ano de 2024 no vermelho. O déficit total foi de R$ 32,6 bilhões. Isso não é sustentável para as prefeituras. Tampouco justo para o cidadão comum.
Por isso, no parecer, foi definido regime escalonado de pagamento de precatórios por estados e municípios. Para estoque de precatórios até 15% da RCL (Receita Corrente Líquida), o pagamento mínimo será 1% da RCL ao ano. O percentual a ser pago vai aumentando de acordo com o tamanho da dívida de precatórios. Se o estoque ficar acima de 85%, o pagamento mínimo será 5% da RCL ao ano. Também definimos que a correção dos precatórios terá como referência o IPCA mais 2% ao ano em vez da taxa Selic.
Além disso, o texto aprovado da PEC estabelece prioridade absoluta e pagamento dos precatórios para idosos, pessoas com deficiência, pessoas com doenças graves e de natureza alimentar, isentando-os das limitações percentuais previstas na emenda constitucional.
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Tais regras demonstram que é falsa e desonesta a afirmação de que a PEC promove “calote”, termo usado para dívida que não se pretende pagar. O que a Câmara aprovou é exatamente o oposto. Pois constitucionalizamos inclusive punições duras para quem descumprir as novas regras de pagamento de precatórios, como sequestro judicial dos valores, suspensão de transferências voluntárias e possível responsabilização dos gestores públicos por improbidade administrativa.
Em relação à União, foi viabilizada uma saída para o cumprimento do arcabouço fiscal em 2026, retirando os precatórios das despesas primárias. Por sugestão da ministra do Planejamento, Simone Tebet, equilibramos esse trecho do texto ao acrescentar, a cada ano, a partir de 2027, 10% do estoque de precatórios dentro das metas fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) até contabilizar todo o estoque.
Essa ideia da Simone mostra o firme compromisso do MDB com a responsabilidade fiscal, algo que já faz parte da história recente. Sobretudo quando o partido apresentou ao país, há cerca de dez anos, o projeto “Ponte para o Futuro”, que em apenas dois anos retomou a credibilidade da economia brasileira com medidas difíceis e corajosas que foram respaldadas democraticamente pelo Congresso, o maior representante do povo brasileiro. Reconhecer isso é respeitar a Constituição de 1988.