A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 15, em segundo turno, a PEC 66/2023. A matéria, que retorna ao Senado, altera as regras para o pagamento de precatórios e o parcelamento de dívidas previdenciárias dos entes federativos.
Em essência, a PEC substitui o prazo fixado até 2029 para quitação das dívidas judiciais por um modelo de teto escalonado com base na receita corrente líquida dos estados e municípios. Também reabre, amplamente, a possibilidade de parcelamento de débitos com a Previdência Social por até 25 anos.
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A proposta tem origem no Senado, mas foi modificada na Câmara por meio do substitutivo apresentado pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP). Entre as mudanças está a criação de uma faixa de percentuais de pagamento obrigatórios que varia conforme o estoque de precatórios em atraso. Se esse estoque corresponder a até 15% da receita líquida do ente federativo, o limite de pagamento será de 1%.
Esse índice cresce gradativamente até atingir 5% da receita para estoques acima de 85%. A partir de 2036, se ainda houver dívidas não quitadas, os percentuais subirão novamente. O texto também autoriza a União a criar linhas de crédito específicas para quitação dos precatórios que ultrapassarem a média de comprometimento da receita nos últimos cinco anos.
No papel, o mecanismo parece criar regras mais claras e previsíveis. Mas, na prática, ele empurra os pagamentos para décadas à frente. Transforma o credor em um agente passivo de um processo institucionalmente lento e desconectado da realidade. Quem aguarda há anos por um valor reconhecido judicialmente agora enfrentará mais etapas, tetos e cálculos que, no fim das contas, representam atraso legalizado.
A PEC 66 também promove uma mudança relevante na forma de correção monetária dos precatórios. O texto incorpora a decisão do Supremo Tribunal Federal de 2015, que havia invalidado o uso da taxa referencial (TR), e fixa o IPCA como índice de atualização. Estabelece ainda juros simples de 2% ao ano por mora. Mas cria uma exceção: se a soma do IPCA com os juros ultrapassar a taxa Selic no mesmo período, o valor será corrigido apenas pela Selic. O resultado disso é que o credor, mais uma vez, pode sair perdendo, dependendo da política monetária vigente.
Outro ponto sensível é a reabertura do parcelamento de dívidas previdenciárias. Prefeituras de todo o país poderão refinanciar débitos com a União por um prazo de até 25 anos. A dívida acumulada já ultrapassava os R$ 190 bilhões em 2022. Em vez de pensar em medidas estruturantes, o governo federal escolhe abrir mais uma janela de parcelamento que fragiliza ainda mais o caixa da Previdência. Um sistema que já opera no limite precisa de reforço, não de adiamentos sucessivos.
A proposta também amplia, até o fim de 2026, a desvinculação de receitas dos municípios de 30% para 50%. Com isso, as receitas originalmente destinadas a finalidades específicas poderão ser utilizadas livremente pelas administrações locais.
Embora esse mecanismo possa oferecer algum respiro orçamentário no curto prazo, ele carrega o risco de desorganizar o planejamento e comprometer políticas públicas essenciais, como saúde e educação, justamente nas localidades mais vulneráveis.
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Sim, é fato que muitos municípios operam no vermelho e convivem com dificuldades reais de gestão fiscal. Mas a PEC 66 não oferece solução estrutural, somente transfere a conta para os credores e para o futuro. Ao abdicar do compromisso com o pagamento das dívidas já reconhecidas e ao postergar o ingresso de recursos no sistema previdenciário, o Estado envia um recado perigoso: cumprir decisões judiciais deixou de ser prioridade.
Os defensores da proposta falam em modernização e justiça fiscal. Mas nenhuma reorganização das contas públicas pode se sustentar à custa do enfraquecimento das instituições, da descrença no Judiciário e da perda de credibilidade dos próprios entes federativos. Se a solução encontrada para aliviar os cofres públicos é calotear com aval constitucional, então temos um problema maior do que o déficit orçamentário.

