Desde abril, o debate sobre a pejotização voltou a ganhar destaque no cenário jurídico após decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinar a suspensão de todos os processos que tratam do tema na Justiça do Trabalho.
A decisão, proferida no Recurso Extraordinário com Agravo 1532603, está inserida em um contexto não exatamente inesperado, no qual a repercussão geral (Tema 1.389) da matéria já havia sido estabelecida no mesmo processo, tendo em vista a sobrecarga do STF diante de sucessivos recursos contra acórdãos dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Por vezes, as cortes divergem da tese pacificada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324/DF, que reconheceu a validade da contratação de pessoas jurídicas para execução de atividades-fim, afastando a presunção automática de vínculo empregatício.
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A pejotização vem sendo admitida pelo STF em reforço à alteração havida na legislação pela reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), que possibilitou a terceirização de atividades-fim pelas empresas, abrindo caminho para a contratação de prestadores de serviço por meio de um contrato de natureza civil firmado com suas respectivas entidades jurídicas.
Entretanto, na prática, a Justiça do Trabalho, que tem competência para julgar ações sobre vínculo empregatício (artigo 114, I, da Constituição Federal), quando houver indícios de fraude, ou seja, quando a pejotização for utilizada para mascarar uma relação de emprego, segue proferindo decisões contrárias à determinação da Suprema Corte sobre o tema. Como consequência, o Supremo tem sido cada vez mais acionado para revisar acórdãos que não seguem essa diretriz, atuando como instância recursal sobre o tema, por meio de reclamações constitucionais.
Esse alto volume de reclamações sobre o mesmo tema levou o STF, em paralelo, a reconhecer a repercussão geral da matéria (Tema 1.389), visando proferir julgamento balizador, em mecanismo processual de uniformização da jurisprudência, cuja decisão afetará todos os processos que versem sobre a mesma controvérsia.
Além disso, no mesmo julgamento, o STF não somente irá reforçar a análise sobre a licitude da pejotização, como também definir a competência jurisdicional para processar e julgar processos dessa natureza, se da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum.
Como efeito da repercussão geral, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de todos os processos sobre pejotização e contratação de trabalhadores autônomos na Justiça do Trabalho, independentemente da instância em que se encontram. Isso significa que, até o julgamento definitivo pelo STF — o que provavelmente não ocorrerá ainda este ano — nenhuma nova decisão poderá ser proferida sobre o tema.
Diante dessa paralisação e da impossibilidade de recorrer, surge um dilema: como pode agir a empresa que figura no polo passivo de processos que discutem a pejotização, contendo decisões condenatórias já proferidas?
A nosso ver, uma solução que permanece viável é a apresentação de reclamação constitucional, que consiste em mecanismo processual para assegurar a observância de decisões e teses proferidas e consolidadas pela Suprema Corte, inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional 45/2004, fazendo parte de um conjunto de remédios processualísticos que visam à adequação do sistema nacional à complexidade de temas jurídicos.
Ao contrário da obrigatória suspensão dos processos trabalhistas, temos tido amostras de que as reclamações constitucionais podem alcançar desfecho independente. Prova disso são as recentes decisões proferidas pela ministra Cármen Lúcia nas Reclamações Constitucionais 78.333, 78.469 e 78.526, todas relacionadas à pejotização, proferidas após a determinação de suspensão dos processos pelo STF. A lógica adotada foi a de que a paralisação determinada pelo ministro Gilmar Mendes afeta apenas processos em curso na Justiça do Trabalho, enquanto as reclamações constitucionais possuem competência originária no STF.
Por outro lado, também notamos diversos exemplos de ministros que acolheram parcialmente a reclamação constitucional ajuizada após a decisão do Ministro Gilmar Mendes, para determinar expressamente a suspensão do processo originário até julgamento definitivo do Tema 1.389, em postura mais conservadora.
Essa hipótese, a despeito de não representar o melhor interesse das empresas interessadas, já que não cassa a decisão proferida pela Justiça do Trabalho, traz consigo, ao menos, a certeza de que os processos originários estão afetados pelo Tema 1.389 e que deverão aguardar até o julgamento deste para que possam seguir seu trâmite, evitando, assim, que os tribunais regionais venham a dar continuidade na tramitação em razão de entenderem não haver aderência estrita ao precedente qualificado que se pretende formar no STF.
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Nesse sentido, citam-se, a título exemplificativo, as decisões proferidas nas Reclamações Constitucionais 60371, sob a relatoria do ministro André Mendonça; 76587, sob a relatoria do ministro Luiz Fux; e 78669, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, nas quais foi determinada expressamente a suspensão do processo originário até o julgamento definitivo do Tema 1.389 pelo Supremo Tribunal Federal.
Portanto, mesmo diante da suspensão nacional dos processos que versam sobre pejotização, determinada pelo STF em razão do Tema 1.389, a análise do caso concreto poderá levar à conclusão de que a reclamação constitucional ainda permanece viável como medida tendente a assegurar o interesse da empresa.