A disputa em torno do leilão para um novo terminal de contêineres no Complexo Portuário de Santos (SP) teve suas cartas embaralhadas nesta semana. Atualmente, o processo do edital do leilão está com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). O seu último movimento foi alterar o formato de concorrência do leilão para colocar limites à participação de empresas que já têm domínio do mercado de transporte marítimo no local. O que acontece agora?
A decisão, tornada pública nesta terça-feira (27/5) é uma decisão ad referendum do diretor-geral da Antaq, Caio Farias. Na prática, ela modificou significativamente o formato da disputa prevista na versão do edital vista na audiência pública terminada em março. Até então, não existiam restrições a concorrentes. Todos poderiam disputar o Tecon Santos 10, como é chamada a nova área, incluindo as empresas que já possuem terminais no porto.
A possível participação dessas empresas tem gerado preocupações quanto a riscos de concentração de mercado, no caso de vitória no certame. Diversas soluções foram sugeridas, como realizar o leilão em fases, excluindo grupos com posição dominante nos primeiros estágios da disputa.
O processo foi enviado ao Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) que, por sua vez, já o enviou ao Tribunal de Contas da União (TCU). A corte de contas deverá se pronunciar sobre o formato do edital até agosto, segundo o cronograma do leilão divulgado ainda na audiência pública.
A versão da minuta apresentada pela Antaq agora fixa regras para a participação no leilão. Serão duas etapas. Na primeira, não podem participar atuais incumbentes do Porto de Santos (BTP/Maersk-MSC, CMA-CGM e DP World).
Em caso de licitação deserta, está liberada a participação delas. Mas, no caso de vitória, deverão abrir mão dos ativos que até então estavam explorando, até a assinatura do novo contrato.
Farias, que é relatou do caso, destacou que a decisão se deve à concentração de mercado, e não a participação no certame de armadores (isto é, as empresas de carga marítima, que definem os terminais onde farão o desembarque dos contêineres).
“A possibilidade de integração vertical no âmbito do leilão do Tecon Santos 10 não configura, por si só, uma ameaça concreta à concorrência” escreveu o diretor-geral. “Porém o grau de concentração no mercado relevante de movimentação de contêineres no Porto de Santos eleva-se de maneira preocupante, caso seja permitida a participação indistinta de grupos econômicos que já possuem ativos de exploração portuária na área do complexo portuário de Santos”, explicou. E destacou que medidas no mesmo sentido já foram adotadas anteriormente, no Rio de Janeiro e no Maranhão.
Anteriormente, durante as discussões em torno da tentativa anterior de instalar um novo terminal em Santos (o projeto STS-10, como era chamado), a Antaq havia se limitado a incluir remédios regulatórios que permitiriam a ampla participação no leilão, sem vedar quaisquer agentes.
Desta vez, Farias explicou que descartou a possibilidade já que “a inclusão de cláusulas contratuais de monitoramento regular e específico como forma de combater a competição imperfeita traz consigo elevada complexidade regulatória e pode acarretar ineficiências ou até mesmo se mostrarem completamente ineficazes”. Por isso, esse não seria o melhor caminho.
Além da decisão, a Antaq também disponibilizou a minuta do edital do leilão, elaborada pela agência com as contribuições da audiência pública finalizada em março – inclusive, Farias não aceitou os pedidos de reabertura da audiência para novas contribuições, sob o receio de “procrastinar a conclusão do processo”
A Antaq deverá deliberar a decisão ad referendum do diretor-geral em sua próxima reunião do colegiado, agendada para a próxima quinta-feira (5/6), caso não ocorram imprevistos. Porém, a decisão deve ser confirmada, uma vez que o processo já está com o TCU, sob relatoria do ministro Antonio Anastasia.
Concorrência no transporte marítimo
Para se ter ideia sobre como esse mercado se distribui, quase 80% da movimentação atual do porto de Santos ocorre por meio de terminais verticalizados pertencentes a dois grupos econômicos.
O maior termina atualmente em funcionamento é o Tecon Santos, operado pela Santos Brasil. Ele é responsável por 42% da movimentação total do porto, ou 2,3 milhões de TEUs em 2024. Em março, o grupo concretizou a aquisição de participações societárias da empresa pelo armador CMA-CGM, o quarto maior do Brasil, que passou a ser seu controlador. Ou seja, o Tecon Santos deixou de ser bandeira branca e tornou-se um terminal verticalizado.
Antes disso, já havia outro terminal nesse modelo, o BTP, controlado pelos grupos Maersk e MSC — respectivamente líder e vice-líder de movimentação de contêineres no Brasil. O BTP movimentou 34% dos contêineres em Santos em 2024, ou 1,8 milhões de TEUs
“O mercado de movimentação e armazenagem de contêineres no Porto de Santos se tornou mais concentrado na última década. Em 2014, o mercado contava com quatro empresas competitivas e uma franja que detinha menos de 20% do mercado. Uma década depois, apenas três terminais portuários passaram a concentrar 99% de market share”, comenta o economista Bernardo Macedo, da LCA Consultores, autor de um estudo sobre o assunto, encomendado pela ICTSI.
A preocupação dele com isso é que “a consolidação do poder de mercado de grupos econômicos dominantes possa estimular o aumento dos preços cobrados por operadores e tornar o acesso à infraestrutura mais oneroso”.
Ele aponta que os dois terminais com maior concentração de mercado em Santos apresentam preços médios por TEU mais elevados, segundo dados da Antaq. “O aumento do market share desses players intensificará esse cenário ao aumentar o poder desses grupos econômicos em praticar preços mais altos
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Além da parte concorrencial, a Antaq também fez outras alterações no projeto do Tecon Santos 10: o novo terminal terá capacidade de 3,25 milhões de TEUs (medida de contêiner) ao ano — o projeto apresentado na audiência pública falava em 3,5 milhões de TEUs — além da inclusão de capacidade para transportar 91 mil toneladas ao ano de carga geral.
O investimento previsto no porto foi ampliado, passando de R$ 5,6 bilhões para R$ 6,45 bilhões. O prazo contratual segue sendo de 25 anos, com início da vigência em 2026 e término em 2050.
Mais preocupações
Tão ou mais preocupante quanto o formato do edital é o tempo que se levará para operacionalizar completamente o Tecon Santos 10. Assim pode ser resumida a principal reflexão da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) sobre os rumos do leilão do novo terminal do Porto de Santos (SP).
O maior porto do Brasil deverá esgotar sua atual capacidade até o ano de 2028. Inclusive, foi essa realidade que trouxe de volta uma ideia engavetada desde o final do governo anterior — o leilão da área STS10, rebatizada recentemente de Tecon Santos 10. Isso permite que Santos siga ampliando sua capacidade e importância estratégica ao longo das próximas décadas.
Santos é o principal porto organizado brasileiro, movimentando 138,7 milhões de toneladas em 2024. Isso corresponde a 29,2% de toda a carga transportada nos portos organizados do país. O novo terminal deverá expandir a capacidade atual de Santos em aproximadamente 50%.
A promessa do governo federal é que o leilão ocorra em dezembro, com o contrato assinado até junho de 2026. Não é a primeira vez que prazos são fixados por um governo nessa história. Fala-se na instalação de um novo terminal em Santos desde 2013, pelo menos.
Para a CNI, o mais importante é que o poder público garanta celeridade no processo de licitação do Tecon Santos 10. “É uma discussão que já tem mais de uma década. Mas chegamos próximo em 2019, 2020, com indicativos de que o processo iria avançar”, destaca Ramon Cunha, especialista em Infraestrutura da CNI.
“E logo recuou, principalmente por conta da mudança de governo, de uma nova análise de todo o processo. E isso é o que preocupa muito a CNI. Temos a convicção de que existe uma insuficiência do ponto de vista de acesso de infraestrutura, que a gente precisa de novos terminais e que esse processo não pode mais aguardar”, frisou.
No mesmo sentido avalia o diretor do Departamento de Infraestrutura da Fiesp, Luis Felipe Valerim Pinheiro. “Se projetarmos, por exemplo, uma média de crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] de 2% ao ano, pelos próximos dez anos, a capacidade já está absolutamente arrochada, do ponto de vista de container e carga geral em Santos. Nós precisamos ter o terminal, o Tecon Santos 10, para ontem. É a prioridade um, a importância do terminal, pelo olhar da indústria”, argumenta.
A estimativa da Infra S/A, empresa pública de estruturação de projetos, também enseja preocupação. Se não ocorrerem novos atrasos, o Tecon Santos 10 só deverá atingir a sua plena capacidade de movimentação (3,25 milhões de TEUs) em 2034.
Isso em um contexto no qual a demanda por infraestrutura cresce a um ritmo alucinante. Segundo a Antaq, em 2024, a movimentação de cargas conteinerizadas foi recorde no país — 13,9 milhões de TEUs, um crescimento de 20% em relação a 2023.
Além disso, os principais terminais brasileiros funcionam perto do limite de sua capacidade total e, portanto, em desacordo com recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Para a entidade, os terminais devem operar com até 65% de sua capacidade para serem considerados eficientes. Dos 19 principais terminais de contêineres do Brasil, dez passaram a maior parte do ano de 2024 operando em índices acima desses limites. Santos possui três terminais nessa lista, todos ultrapassando o recomendado. As informações são da plataforma de dados marítimos Solve Shipping.
“A infraestrutura não acompanhou esse crescimento da demanda. Temos muito contato com os setores de café, químico, de madeira, além de outros, e os relatos foram bem preocupantes. Alguns setores com atrasos de até três ou quatro meses. Pedindo, pelo amor de Deus, para que esses problemas fossem sanados e a sua mercadoria finalmente entregue”, comenta o especialista da CNI.
Já para o diretor da Fiesp, esse cenário gera um aumento de custo logístico, o que prejudica tanto a importação quanto a exportação. “Para mim é uma das principais justificativas para o nosso custo logístico ser tão dissonante do padrão internacional”, comenta.
“A oferta tem que vir antes da demanda. Porque quando a demanda chega sem estrutura, temos inflação. Então, esse tipo de projeto, que depende de planejamento estatal, ele tem que correr um pouco à frente da demanda. E a nossa tradição não é fazer isso”, lamenta Valerim.
Próximos passos
A expectativa é que o TCU aprecie a proposta de edital até agosto, conforme o cronograma divulgado na audiência pública sobre o leilão do Tecon Santos 10. A corte de contas poderá, eventualmente, pedir ajustes. A expectativa é que a publicação definitiva do edital ocorra em setembro.
Se o cronograma seguir o ritmo previsto, o leilão ocorrerá em dezembro, com o contrato assinado até junho de 2026.