O comportamento procrastinador pode trazer prejuízos para a saúde mental e para a vida pessoal e profissional; veja como parar de procrastinar Lifestyle, Comportamento, Saúde mental CNN Brasil
Imagine uma pessoa que tem um relatório imenso para finalizar até o início da próxima semana. Ao invés de começar o trabalho com calma e foco, já que faltam alguns dias para o fim do prazo, ela prefere fazer outras tarefas ao longo dos dias, deixando essa pendência para a última hora. Identificou-se? Esse é um exemplo corriqueiro da procrastinação, ou seja, o famoso comportamento de “deixar para depois”.
Apesar de parecer inofensiva, a procrastinação pode trazer prejuízos para a saúde mental, pessoal e profissional. “Ao se tornar uma rotina, a procrastinação pode gerar grande estresse, angústia e frustração para o dia a dia das pessoas”, afirma Ana Carolina Souza, doutora em Neurociência Comportamental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) à CNN.
Segundo a especialista, por se tratar de um comportamento inconsciente, muitas pessoas têm dificuldade de controlar os padrões automáticos de procrastinação, sendo julgadas e criticadas socialmente como menos competentes e/ou engajadas. “Além disso, essas pessoas se cobram por não conseguirem cumprir seus objetivos ou progredir em seus planos pessoais e profissionais, o que traz grandes impactos sobre autoestima e satisfação na vida”, completa.
Do ponto de vista prático, procrastinar compulsivamente atrapalha não só a saúde mental do indivíduo, mas também sua produtividade, trazendo prejuízos para o desenvolvimento acadêmico, profissional e impactando negativamente nossa capacidade de realização e entrega. “As pessoas que vivem com frequência essa realidade perdem prazos, cometem erros e não conseguem se planejar com antecedência, o que gera uma rotina atribulada e muitas vezes sobrecarregada por falta de planejamento e baixo autocontrole”, afirma.
Mas, afinal, o que está por trás da procrastinação?
Apesar de estar relacionada a fatores emocionais e comportamentais, a procrastinação tem uma explicação científica. Uma pesquisa publicada em 2018 na revista científica Psychological Science mostrou que existe uma base biológica para o padrão procrastinador.
No estudo, mais de 260 pessoas foram analisadas, entre homens e mulheres, a partir da ressonância magnética funcional, na qual diferentes regiões do cérebro e suas conexões foram avaliadas.
Os resultados mostraram um possível papel da amígdala, região do cérebro com participação fundamental no processamento das emoções. Essa região mostrou-se maior naqueles participantes considerados procrastinadores.
Além disso, nesses mesmos indivíduos, também foi observada uma menor conexão entre a amígdala e a parte dorsal do córtex cingulado anterior (dACC), região cerebral importante para a análise e seleção dos comportamentos que serão executados.
Segundo Souza, tanto a amígdala quanto o dACC são regiões que estão associadas à nossa capacidade de autocontrole, de maneira que conexões mais fracas entre essas regiões podem diminuir nossa habilidade de filtrar emoções e estímulos distratores (internos ou externos), resultando em uma baixa eficiência na regulação do nosso comportamento.
Além disso, a especialista explica que a procrastinação também tem uma relação direta com a resposta da dopamina, um neurotransmissor conhecido por gerir as respostas de motivação.
“Olhando para a fisiologia por trás deste fenômeno, o que se observa é uma baixa disponibilidade de dopamina em regiões cerebrais associadas à resposta de motivação e, por isso, o comportamento em si não acontece da forma que deveria. Essa conduta é associada a uma baixa motivação, ou mesmo uma desmotivação, o que torna difícil iniciar e/ou manter determinado comportamento”, afirma Souza.
A especialista explica que existe, naturalmente, uma maior dificuldade de anteciparmos ganhos futuros e consequências de longo prazo das nossas ações e que, por isso, a solução mais comum é procrastinar o que não traz motivação instantânea, priorizando atividades capazes de liberar de forma mais expressiva a dopamina e, consequentemente, gerar prazer e satisfação.
“Alguns estudos já mostraram inclusive que procrastinadores crônicos possuem alterações cerebrais que indicam uma capacidade de autocontrole reduzida, o que dificulta lidar com distrações tanto internas quanto externas e controlar as respostas emocionais que podem levar a condutas impulsivas. Isso vai gerar uma baixa eficiência na regulação do nosso comportamento e favorecer cada vez mais o comportamento de procrastinação”, afirma.
Como identificar hábitos procrastinadores?
É importante ressaltar que procrastinar é algo normal. Todos deixam alguma tarefa ou decisão para depois em algum momento da vida. No entanto, quando esse tipo de comportamento se torna frequente e passa a impactar a vida pessoal e profissional, é importante identificar esse hábito e buscar ajuda profissional.
“Procrastinadores crônicos normalmente são pessoas que deixam para fazer tudo na última hora, não lidam de maneira eficiente com os prazos e gerenciamento do tempo, e acabam ficando sobrecarregadas, pois deixam para concluir suas atividades ou tarefas na véspera ou logo antes do prazo acabar”, explica Souza.
“Observar a frequência com que isso acontece em sua rotina e qual o contexto é importante para entender se é algo pontual, ou se já existem prejuízos significativos em relação ao seu desenvolvimento, carreira e até mesmo as relações pessoais”, orienta.
E como parar de procrastinar? Veja 5 dicas
Interromper um padrão de comportamento procrastinador pode ser desafiador. Do ponto de vista da neurociência, apesar de ainda serem necessários mais estudos para aprofundar a questão, pesquisadores acreditam que é possível treinar o cérebro para adotar novos comportamentos.
Segundo Souza, o cérebro possui a capacidade de se modificar, criando novas conexões a partir das experiências. Essa capacidade é conhecida como neuroplasticidade e permite que comportamentos e hábitos indesejados possam ser modificados, com tempo e dedicação.
Para isso, a especialista elenca cinco dicas:
- Identificar gatilhos que levam à procrastinação e criar estratégias para lidar com eles: tente associar uma tarefa cuja natureza é um gatilho a algo prazeroso, como ouvir música ao lavar uma louça ou realizar um relatório, ou convidar amigos para te ajudar a fazer compras no supermercado, por exemplo.
- Quebrar uma atividade longa em tarefas menores: quanto mais complexa e distante for uma atividade, maior é a tendência de procrastinar. Por isso, estabeleça pequenas metas e rotinas para que o trabalho seja feito pouco a pouco.
- Estipular um tempo para cada tarefa: evite ao máximo realizar mais de uma atividade ao mesmo tempo, e estabeleça intervalos curtos entre as atividades para ajudar o cérebro a se recuperar.
- Organizar a rotina para realizar atividades mais desafiadoras em momentos de maior energia e disposição: por exemplo, se você é uma pessoa mais produtiva pela manhã, comece o dia com as tarefas mais complexas e deixe as mais simples para a parte da tarde. Faça o inverso se funcionar melhor para você.
- Investir no sono de qualidade e praticar atividade física: dormir bem, fazer exercícios físicos, ter contato com a luz solar natural e manter uma alimentação saudável ajuda a manter os níveis basais de dopamina saudáveis.
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