Em agosto, a OAB Paraná aprovou a Carta do Paraná em defesa da democracia e do devido processo legal. O documento reafirma que não há democracia sem respeito ativo ao devido processo legal e que a advocacia deve ser vista como caminho legítimo para a realização da justiça, jamais como obstáculo.
Denuncia práticas que limitam as prerrogativas profissionais – restrições de acesso a autos, prazos exíguos, uso de decisões monocráticas em detrimento da colegialidade, desrespeito ao juiz natural, múltiplos julgamentos em plenário virtual – e exige respeito integral à ampla defesa, ao contraditório e à imparcialidade. A mensagem é clara: em tempos de crise, mais do que nunca, a defesa da Constituição passa pela defesa ativa das prerrogativas da advocacia.
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Esse protagonismo da OAB-PR não é novo. Remonta à histórica VII Conferência Nacional da Advocacia, realizada em Curitiba em 1978, ainda sob a ditadura do regime civil-militar. Foi ali que se gestou a Declaração de Curitiba, um dos documentos mais contundentes da advocacia brasileira, clamando pelo fim do AI-5 e pela restauração do habeas corpus.
A conferência simbolizou a coragem da advocacia em se colocar na linha de frente da redemocratização, sob a liderança de Raymundo Faoro no Conselho Federal e a de Eduardo Rocha Virmond no Paraná. Foi um divisor de águas: a OAB reforçou sua posição na trincheira da resistência democrática e nunca mais abandonou esse papel.
Como recordou o ministro Edson Fachin em palestra de 2023, a “memória que evoca aquele evento não é nem pode ser um momento apenas escrito nos livros do pretérito. Ao contrário, é matéria viva, vista que está pauta do Brasil contemporâneo que deles emerge”.
Foi próximo desse contexto que iniciei minha advocacia, no final dos anos 1980, às vésperas da redemocratização promovida pela Constituição de 1988. A experiência de começar a advogar ainda sob as sombras de um regime autoritário ensinou-me algo essencial: sem o respeito às prerrogativas, não há advocacia; sem o respeito à advocacia, não há democracia.
Desde então, vi a OAB assumir reiteradamente a sua responsabilidade de defender, com firmeza, as prerrogativas profissionais como garantia republicana – e não como privilégio corporativo. Afinal, se as autoridades públicas impedem que advogadas e advogados exerçam a ampla defesa de seus clientes nos termos da lei, não se pode falar nem em legalidade nem em devido processo legal.
Tenho que as prerrogativas são garantias inabdicáveis, que asseguram à advocacia independência para exercer sua função de defesa das liberdades. São instrumentos que nos protegem, inclusive de nós mesmos, e impedem a excessiva deferência a autoridades (bem como abusos e tentativas de intimidação destas).
Não nos trazem vantagens, mas sim deveres em vista do nosso juramento. A sua legitimidade só se sustenta quando conjugada com a ética: prerrogativas e responsabilidade são indissociáveis. Sem ética em seu exercício, as prerrogativas perdem legitimidade: daí que advogados e advogadas precisam ser responsabilizados por eventuais abusos. As prerrogativas não transformam o processo em terra de ninguém, mas o submetem à mais firme legalidade. O Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) é cristalino ao transformar essas garantias em deveres e obrigações, que não podem ser renunciados.
Porém, muitas vezes, as advogadas e os advogados, sozinhos, não detêm a força para fazer valer as prerrogativas diante de autoridades públicas. É nesse momento que a OAB precisa se posicionar ativamente, com coragem unida à força institucional que só ela detém. Seja para conter os arroubos indevidos de colegas, seja para efetivamente impedir os abusos de poder por parte das autoridades. Cabe à OAB essa missão.
Ao longo dessas quatro décadas, a OAB-PR tem se mantido protagonista nesse papel. Desde 1978 até a Carta divulgada neste 2025, a mensagem permanece a mesma: não há justiça sem a voz livre da advocacia. Defender prerrogativas não é defender advogados individualmente (nem, muito menos, seus clientes); é defender a Constituição, a legalidade, o devido processo legal e, em última instância, a democracia.
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A lealdade às instituições exige vigilância crítica, firmeza para apontar erros e coragem para exigir correção. E, como ressaltou a professora Raquel Scalcon em sua fala no recente congresso promovido pela OAB-PR, as violações a direitos humanos, mesmo as mais brutais, devem ser combatidas com doses ainda maiores de direitos humanos (e não com suas eventuais restrições). Dois erros não fazem um acerto, diria eu.
Esse é o compromisso que penso ter herdado ao começar a advogar no limiar da redemocratização e que, obediente, me esforço em seguir compartilhando com minha instituição: a OAB está, esteve e precisa, cada vez mais, continuar ativa na defesa da Constituição, da democracia e das liberdades fundamentais.

